A falsa gentileza do Regime Optativo de Tributação

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O Regime Optativo de Tributação (ROT) da substituição tributária do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS-ST) foi criado originariamente pelo Convênio ICMS n° 67/2019, firmado no âmbito da 173ª Reunião Ordinária do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), que autorizou os estados de Amazonas, Pará, Paraíba, Paraná, Pernambuco Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul e Santa Catarina a instituir o Regime Optativo de Tributação do ICMS-ST para segmentos varejistas, dispensando o pagamento de imposto a título de complementação do ICMS devido por substituição tributária, nos casos em que o preço praticado na operação a consumidor final for superior a base de cálculo estimada utilizada no cálculo do débito devido pelo substituto tributário. Com a edição do Convênio ICMS nº 62/2020, o estado de São Paulo também aderiu à nova sistemática.

Em síntese, o ROT-ST seria um regime especial concedido pelos estados em que traria como benefício promover maior praticabilidade para a apuração do ICMS no regime de substituição tributária, inclusive dispensando o contribuinte substituído da exigência de complementação do ICMS-ST recolhido a menor pelo substituto em sua operação a consumidor final. Em contrapartida, como condição para a sua adesão a esse regime, os contribuintes deverão firmar o compromisso de não exigir a restituição decorrente de realização de operações a consumidor final com preço inferior a base de cálculo estimada utilizada para o cálculo no regime de substituição tributária.

No entanto, a pergunta que se impõe é: trata-se efetivamente de um regime especial mais benéfico ao contribuinte?

Rigorosamente, as administrações tributárias dos estados signatários do convênio pretendem, por meio de regime especial, retornar ao regime de recolhimento antecipado do ICMS por meio de substituição tributária como tributação definitiva, baseada exclusivamente nas vantagens concedidas em prol da praticabilidade.

Nesse cenário, o contribuinte abriria mão de seu direito de restituição ou necessidade de complementação do imposto, independentemente de haver discrepâncias entres os valores entre as bases de cálculo efetiva e a estimada, conforme decidido pelo Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário nº 593.849/MG, apreciado em conjunto com as Ações Diretas de Inconstitucionalidade nºs 2.777/SP e 2.675/PE, no qual, em sede de repercussão geral, fixou a tese de que “é devida a restituição da diferença do ICMS pago a mais no regime de substituição tributária para a frente se a base de cálculo efetiva da operação for inferior à presumida” (Tema 201), garantindo-se aos contribuintes substituídos o direito de “imediata e preferencial restituição” no recolhimento de ICMS sobre a comercialização de mercadorias tributadas no regime de substituição tributária, desde que a base de cálculo efetiva fosse realizada em valor inferior àquela base de cálculo estimada utilizada pelo substituto tributário.

Referida decisão marca uma mudança radical na jurisprudência do STF, que, por mais de 14 anos, entendia que “a competência outorgada pelo artigo 150, §7º da Constituição, autoriza o regime de tributação indireta com incidência no começo dos ciclos econômicos de forma definitiva, não se tratando de mera antecipação”, não havendo direito de restituição ao contribuinte substituído quando o “fato gerador real” tivesse valores menores que o “fato gerador presumido”. A partir do julgamento do RE nº 593.849/MG, o STF passou a entender que a expressão “não realização do fato gerador presumido”, descrita no artigo 150, §7º, da Constituição, não abrange apenas a inocorrência total de saída posterior da mercadoria (como nos casos de perecimento, extravio ou furtos), mas também se refere à não coincidência de valores entre a base de cálculo efetiva e a base de cálculo presumida.

Trata-se de relevante vitória para os contribuintes, na medida em que estudos indicam que a cobrança de ICMS em regime de substituição tributária implica um aumento indevido dos custos tributários, com diminuição significativa da margem bruta de empresas que atuam na cadeia industrial e comercial, pois o Fisco faz o uso de base de cálculo estimada, que geralmente é superior ao preço oferecido ao consumidor final e, portanto, não é coerente com o mercado.

Dentro da lógica do ROT-ST, a renúncia a esse direito do contribuinte seria compensada pela renúncia do Fisco em exigir, de outro lado, a complementação do imposto nos casos em que a base de cálculo efetiva for superior à estimada pela legislação tributária.

A exigência de complementação surgiu como “o outro lado da moeda” da decisão do STF no RE nº 593.849/MG. Cite-se, nesse sentido, o voto do ministro Dias Toffoli, ao julgar Agravo Regimental em Recurso Extraordinário nº 1.097.998, em que determinou que em respeito à vedação do enriquecimento sem causa, deve-se complementar o ICMS diante da existência de diferença entre o valor do tributo designado no momento do cálculo do ICMS/ST e o montante efetivamente praticado na relação jurídica tributária”.

O raciocínio, posto que sedutor, não convence. Em relação ao primeiro fundamento, entendemos que é impertinente trazer à baila suposto princípio da vedação ao enriquecimento sem causa como justificativa para tributação. Isso porque o regime de recolhimento antecipado de ICMS por substituição tributária é um regime previsto em lei e constitucionalizado, priorizando-se o princípio da legalidade, indispensável ao Direito Tributário. Ademais, a vedação ao enriquecimento sem causa é instituto comumente invocado no Direito Privado, quando, em não havendo previsão legal expressa que vende o enriquecimento de um indivíduo em detrimento de outrem, sem justificativa em ato ou negócio jurídico válido, vigente e eficaz, aplica-se o instituto ora tratado em caráter subsidiário. O mesmo não é verdade no Direito Tributário, que, além de não ter pretensão de completude, veda expressamente o uso de analogia para exigir tributo não previsto em lei (artigo 108, §1º, CTN).

Quanto ao segundo argumento, é imprescindível lembrar que a hipótese de cobrança de imposto complementar não foi objeto de análise no RE nº 593.849/MG, que se limitou a analisar a exata dimensão normativa da expressão “caso não se realize o fato gerador presumido”, inserta no artigo 150, §7º, da Constituição Federal — dispositivo inserido dentro do capítulo das limitações do poder de tributar, no qual encontram-se direitos do contribuinte e não poder de tributas dos entes federativos. Ademais, a cobrança de imposto complementar ao ICMS-ST devido na cadeia produtiva não foi ratio decidendi da decisão final e definitiva. Pelo contrário, tal hipótese foi ventilada em caráter incidental, sendo mero obter dictum, ou seja, referências não vinculantes da decisão.

Já quanto ao terceiro argumento, acreditamos que, apesar da ponderação de princípios (capacidade contributiva x praticabilidade) ter grande importância nas discussões travadas no STF sobre o regime de substituição tributária, fato é que o artigo 150, §7º, não trata de hipótese de complementação de imposto, mas trata tão somente do direito de “imediata e preferencial restituição” em benefício do contribuinte. Assim, sequer seria possível superar a literalidade do dispositivo para, a partir de suposta ponderação de princípios, alcançar resultado que a norma nunca pretendeu regular.

Por fim, é importante ressaltar que a decisão não possui efeitos erga omnes e, portanto, não é vinculante.

Portanto, uma vez demonstrado que os argumentos que fundamentam a exigência de imposto a título de complementação do ICMS devido por substituição tributária não são procedentes, parece-nos falaciosa a retórica dos estados signatários do Convênio ICMS n° 67/2019, inclusive do estado de São Paulo, ao instituir o Regime Optativo de Tributação do ICMS-ST. Afinal, nesse regime, o contribuinte renunciaria a um direito reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal, ao passo que o Fisco renunciaria um direito que, verdadeiramente, não existe.

Daí referir a falsa gentileza dos Estados signatários do Convênio ICMS nº 67/2019, que, sob o argumento de que estariam cedendo prerrogativa legítima de cobrar complementação do ICMS-ST devido na cadeia produtiva — não encontra amparo na Constituição, na legislação ou sequer na jurisprudência vigente —, exigiriam em contraprestação o compromisso de que o contribuinte não exercesse o direito de “imediata e preferencial restituição”. Em verdade, trata-se de um verdadeiro sofisma, que busca esconder o fato de que inexiste qualquer benefício para o contribuinte na adesão ao ROT-ST, mas apenas a indevida restrição a direito subjetivo arduamente reconhecido em decisão do STF em repercussão geral que, à toda evidência, não pode ser afastado por um regime especial criado por convênio.

Fonte: portalcontabilsc.com.br Por Caio Augusto Takano e Arthur Leite da Cruz Pitman

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