Arrecadação do ISS passará a ser repassada ao local de consumo do serviço

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Após a aprovação de uma série de medidas que alteraram o Imposto sobre Serviços (ISS), como a sua incidência sobre o armazenamento ou hospedagem de dados, sobre a elaboração de softwares e sobre a distribuição de conteúdo pela internet, parecem ter chegado ao fim as discussões em torno de um dos pontos mais polêmicos da reforma do ISS: a previsão de arrecadação do tributo no local de consumo do serviço.
Com a derrubada do Veto nº 52/2016, o recolhimento do ISS será feito no município do domicílio dos clientes de cartões de crédito e débito, leasing e de planos de saúde, e não mais no município do estabelecimento que presta esses serviços.
O assunto já constava no texto aprovado anteriormente pelo Congresso Nacional, mas havia sido vetado pelo presidente Michel Temer. No entanto o Senado Federal decidiu pela derrubada do veto presidencial na sessão realizada em 30 de maio.
A votação que selou a mudança teve o aval do Palácio do Planalto, que com isso fez um aceno aos prefeitos em momento de intensa crise política. Semanas antes, o governo do presidente Michel Temer também lançou um parcelamento de dívidas previdenciárias para estados e municípios.
A CNM comemorou a decisão, que, segundo ela, acaba com “desvios” e “subterfúgios” usados por alguns municípios para atrair empresas desses setores, gerando uma concentração entre poucas sedes. “As empresas estavam tendo benefícios que não poderiam ter”, diz o presidente da entidade, Paulo Ziulkoski.
Entre essas vantagens, diz, está a redução artificial das alíquotas por meio de descontos na base de cálculo do tributo. A lei prevê que a cobrança do ISS deve ser de 2% a 5%, mas algumas prefeituras recolhiam, na prática, menos de 0,5%, uma vez que descontavam da base de cálculo pagamentos de outros tributos, como PIS/Cofins. “Agora, quem cobrar menos ficará sujeito a improbidade. Seguramente vai aumentar a arrecadação”, diz Ziulkoski, apostando no fim da “guerra fiscal” entre municípios.
As empresas dizem que vão cumprir a lei, mas não perdem a oportunidade de criticar a medida. O principal impacto mencionado é a necessidade de passarem a ter milhares de inscrições municipais para recolher o ISS às prefeituras. “Isso é quase um pesadelo operacional”, diz o diretor executivo da Associação Brasileira das Empresas de Cartão de Crédito e Serviços (Abecs), Ricardo Vieira.
Outro ponto citado pelas companhias é que os benefícios às prefeituras não serão tão grandes se comparados às complicações trazidas pela alteração. A Abecs estima que o setor pague aproximadamente R$ 600 milhões ao ano, considerando a alíquota máxima de 5%. “Isso significa que mais de 3,8 mil municípios não terão renda superior a R$ 2 mil por ano (com ISS sobre cartões). E essa é uma estimativa conservadora”, afirma Vieira. A CNM estima arrecadação anual de R$ 2,87 bilhões com ISS sobre cartões de crédito e débito.
A Lei Complementar nº 157 entrou em vigor na data da sua publicação, 30 de dezembro de 2016, porém suas alterações somente começaram a vigorar a partir do dia 30 de março de 2017, em atenção ao princípio constitucional da anterioridade. Já as recentes alterações devem passar a valer em 2018.
Legislações municipais devem ser adequadas para que regra vigore
O advogado especialista em Direito Tributário Henry Lummertz, do escritório Souto, Correa, Cesa, Lummertz & Amaral Advogados, alerta que, mesmo com a aprovação da Lei Complementar nº 157/2016, cabe aos municípios editar sua legislação a fim de contemplar as alterações. Cabe às câmaras de vereadores incluir aqueles casos em que haverá alteração no recolhimento – leasing, franchising, planos de saúde e administradoras de cartões de crédito.
A mudança, ressalta Lummertz, irá tomar muito mais tempo dos gestores e exigirá atenção redobrada, já que, além de precisar fazer o recolhimento em mais municípios, deverá analisar se todos os municípios já realizaram a alteração em sua legislação. “Deverá ser feita uma avaliação minuciosa de cada caso. Pode acontecer de o município onde está sediada a empresa acatar a mudança, e aquele onde está domiciliado o tomador não fazê-lo. Neste caso, a empresa cessaria o recolhimento”, exemplifica o especialista.
Para essas situações ou quando dois municípios estiverem requerendo o pagamento, o mais indicado é abrir uma consignatória em pagamento. “Assim a empresa passa a depositar o valor em juízo; e os municípios, a discutir judicialmente quem deve receber o pagamento. É como se a empresa dissesse: eu devo só que não sei pra quem”, defende o advogado.
Porto Alegre é um caso em que os gestores devem ficar atentos, alerta Lummertz. Uma lei que instituiu mudanças no recolhimento do ISS foi aprovada pela Câmara de Vereadores no final do ano passado, antes mesmo da sanção da LC 157/2016. Por isso, além de incluir as novidades referentes àquelas transações que passam a ter recolhimento do imposto no domicílio do contratante, será preciso avaliar se as disposições aprovadas em 2016 são legais.
Os municípios defendem a cobrança desde já do ISS distribuído, mas advogados tributaristas argumentam que isso não é o correto. “Precisa de lei municipal para regulamentar (a cobrança). Alguns municípios querem cobrar direto, mas isso não se sustenta”, avalia o vice-presidente do Instituto de Estudos Tributários (IET), Rafael Korff Wagner.
Wagner critica a iniciativa do governo, que torna a cobrança do ISS sobre cartões de crédito, leasing e planos de saúde “inviável”. “Poderia prever o que parece mais lógico e adequado, uma unificação de impostos e a concentração da cobrança por um ente; e a União, sim, repassaria aos municípios a parcela que lhes caberia. Mas a reforma tributária é algo que está sempre só no radar, nunca sai do papel”, diz.
Alteração do ISS se soma a mudanças já aprovadas
A Lei Complementar nº 157/2016 alterou algumas regras sobre o Imposto sobre Serviços (ISS). A lei fixa em 2% a alíquota mínima do imposto, na tentativa de acabar com a guerra fiscal entre os municípios, estabelece as exceções permitidas e amplia a lista de serviços alcançados pelo tributo. A nova regulamentação tipifica como ato de improbidade administrativa a concessão do benefício abaixo da alíquota mínima.
A previsão de que a alíquota mínima do ISS é de 2% busca acabar com a guerra fiscal entre municípios. Assim, finalmente, o legislador complementar desempenha a competência que o constituinte havia lhe atribuído, restando superada a previsão transitória contida no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT).
Tal como já previsto no ADCT, é proibida a concessão de isenções, incentivos e benefícios tributários ou financeiros, inclusive de redução de base de cálculo ou de crédito presumido ou outorgado, ou qualquer outra forma que resulte, direta ou indiretamente, em uma carga tributária menor que a decorrente da aplicação da alíquota mínima de 2%.
Caso o município desrespeite essa proibição e o tomador ou intermediário esteja localizado em outro município, o ISS passará a ser devido ao município onde estiver localizado o tomador ou intermediário do serviço, que deverá reter e recolher o imposto, assegurando-se ao prestador do serviço o direito de reaver o valor que houver recolhido ao município onde estiver localizado. Excetuam-se dessa vedação apenas os serviços de execução de obras de construção civil; de reparação, conservação e reforma de obras de construção civil; e de transporte coletivo municipal rodoviário, metroviário, ferroviário e aquaviário de passageiros.
Passou a haver, ainda, a previsão de que está submetido à incidência do ISS o armazenamento ou hospedagem de dados, textos, imagens, vídeos, páginas eletrônicas, aplicativos, sistemas de informação, entre outros formatos. Até então, havia previsão expressa da incidência do ISS apenas em relação ao processamento de dados.
Os serviços de elaboração de softwares também estão sujeitos à incidência do ISS independentemente da arquitetura construtiva da máquina em que o programa será executado, incluindo tablets, smartphones e congêneres. Também passa a haver a incidência de ISS sobre a distribuição de conteúdo pela internet e a disponibilização, sem cessão definitiva, de conteúdos de áudio, vídeo, imagem e texto por meio da internet. A intenção foi submeter à cobrança do ISS operações como aquelas da Netflix ou do Spotify. Foi ressalvada a “distribuição de conteúdos pelas prestadoras de Serviço de Acesso Condicionado”, disciplinada pela Lei nº 12.485/2011, que é submetida ao ICMS; e a distribuição de livros, jornais e periódicos, em respeito à imunidade que os beneficia.
Serviços ligados à atividade de reflorestamento e de inserção de textos, desenhos e outros materiais de propaganda e publicidade, em qualquer meio, também estão submetidos ao imposto. Anteriormente, havia a previsão expressa da incidência do ISS apenas sobre os serviços de florestamento, reflorestamento, semeadura e adubação.
Medida deve pôr fim à guerra fiscal
Conforme projeção da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), as cidades brasileiras devem arrecadar mais de R$ 6 bilhões, que serão redistribuídos de forma equânime, impactando positivamente a economia dos municípios e se fazendo justiça tributária. “Você redistribui para todos os municípios. Inclusive o mais pequenininho município do Nordeste vai poder, de alguma forma, receber também tributo do ISS. Ocorre que hoje, dos R$ 54 bilhões que foram pagos no ano passado de ISS, 37 cidades abocanharam mais de 60% deles. Com essa decisão, nós começamos a reverter essa situação”, defende o presidente da CNM, Paulo Ziulkoski.
O mecanismo havia sido vetado, pois, segundo o governo, a mudança traria “uma potencial perda de eficiência e de arrecadação tributária, além de redundar em aumento de custos para empresas do setor, que seriam repassados ao custo final”, ou seja, ao consumidor. Diversos senadores e deputados defenderam a derrubada do veto, por entenderem que os estados e municípios serão beneficiados com mais recursos. A derrubada do veto, que acarreta na sanção do texto original da Lei Complementar nº 157/2016 conforme aprovado no Congresso, permitirá uma redistribuição anual de cerca de R$ 6 bilhões aos municípios brasileiros. Segundo informações da CNM, aproximadamente R$ 2,87 bilhões serão repassados aos municípios onde o tomador do serviço está estabelecido, nesse caso onde estão localizados os restaurantes, farmácias, postos de gasolina etc. Isto no caso dos serviços de administração de cartões de crédito e débito. No caso do leasing, serão cerca de R$ 2,6 bilhões distribuídos. Antes, esse recurso ficava nas mãos de apenas 35 municípios.
E, no caso dos planos de saúde, mais de 2 mil municípios com estabelecimentos de saúde que atendem por planos e convênios, conforme dados da Agência Nacional de Saúde (ANS), passarão a receber o ISS dessa operação. Da forma em que estava, apenas 370 municípios recebiam tal receita.
Se o veto não fosse derrubado, a forma de distribuição dos recursos arrecadados com o imposto continuaria como está, com mais de 60% das receitas nas mãos de 35 municípios. Cerca de 100 municípios respondem por 78% de todo o ISS. Segundo a confederação, em 2016, cerca de 75% da arrecadação do ISS ficou concentrada para poucos municípios da região Sudeste – o centro econômico do País.
Do total de municípios brasileiros, mais de 2.600 deles respondem, juntos, pela arrecadação de apenas 1% do ISS, enquanto isso dois municípios ficam com mais de 33,83% de todo o ISS arrecadado. Em mais de 1.800 municípios, o ISS não representa 1% da receita corrente. Em mais de 4 mil municípios, ele não representa 5% da receita corrente.
Prestadores podem ter de passar a pagar alíquota máxima
Com a mudança da cobrança do ISS da sede das empresas para o município onde o serviço é prestado, as companhias dizem que a possibilidade de dano na prestação de serviços também está no radar. As operadoras de cartões de crédito já fazem estimativas, e a representante do setor não descarta que haja uma concentração do serviço de pagamento apenas em grandes praças. No caso dos planos de saúde, a Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) diz que mais de 3,8 mil municípios possuem menos de mil beneficiários de várias operadoras e, portanto, correm sério risco de ficar sem assistência.
Fonte: Jornal do Comércio

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