Sistema Brasileiro é um manicômio tributário

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Enquanto a reforma trabalhista já está em vigor e a reforma da previdência entra no horizonte da Câmara para o início de 2018, uma terceira proposta de mudança estrutural faz seu caminho rumo ao Congresso. Já tratada como essencial, a reforma tributária deve chegar ao plenário da Câmara até março ou abril, de acordo com o seu relator, o deputado paranaense Luiz Carlos Hauly (PSDB). A grande proposta é a redução de ao menos dez impostos municipais, estaduais e federais para a criação de um único tributo, o Imposto de Valor Agregado (IVA), que seria cobrado de maneira eletrônica.
Economista de formação, Hauly reconhece a crítica de especialistas de que o sistema tributário atual tem maior peso no consumo do que na renda, o que favorece a desigualdade entre ricos e pobres. A solução apresentada pelo parlamentar para este desequilíbrio envolve uma complexa negociação entre empresários, trabalhadores e o poder público para, “gradativamente, ao longo dos próximos 10 ou 20 anos, tirar um ponto percentual por ano da taxa do consumo e levar para a renda”.
Para atingir o objetivo de “reduzir a quase zero a burocracia, zerar a elisão, diminuir o contencioso, diminuir a sonegação e diminuir os incentivos fiscais”, Hauly aposta na criação do IVA. O novo imposto, de acordo com uma tabela disponibilizada pelo parlamentar, extinguiria mais de dez tributos, dentre eles PIS, Cofins, ICMS e IPI.
O deputado, em seu sétimo mandato, conta cerca de 150 palestras e 500 entrevistas sobre o tema pelo país – em setembro, presidiu uma audiência pública na Câmara para debater o assunto. Entre uma votação do Congresso Nacional para derrubar vetos presidenciais e a sessão de uma das comissões em que faz parte, o deputado recebeu o JOTA para falar sobre a estrutura, o apoio e o provável trâmite da reforma. A seguir, os principais trechos da entrevista.
JOTA: Como o senhor analisa o atual sistema tributário brasileiro?
Luiz Carlos Hauly: O sistema tributário brasileiro é completamente diferente de todos os outros países do mundo. Ele é um sistema caótico, um verdadeiro manicômio tributário do ponto de vista jurídico. Do ponto de vista funcional, ele é um Frankenstein: ele funciona, mas é pouco prático.
Existe uma corrente muito sólida de economistas e analistas que entendem que o código tributário brasileiro pesa muito sobre o consumo, e não muito sobre a renda. Essa é a percepção do senhor?
Segundo meu “DataHauly”, como eu costumo chamar as minhas pesquisas pessoais, somando seis impostos: IPTU, IPVA, ITR, ITCMD, IPVA e ITBI no bolo de arrecadações de 2015 temos 4,4% [da arrecadação], ou R$ 85 bilhões dos quase R$ 2 trilhões daquele ano. Em relação à renda, somando o Imposto de Renda e a CSLL, temos 20,8% [da arrecadação]. No consumo são 54,4% do total, enquanto na previdência temos 20,3%. Quando você compara com países como os Estados Unidos, por exemplo, nota que 12% da arrecadação de lá vem do patrimônio, e mais de 40% vem da renda. No consumo, apenas 18%. Nossa tributação, no consumo, é três vezes maior se comparada com a dos Estados Unidos. Ora, a carga tributária brasileira cobra mais dos pobres do que dos ricos. Quanto mais rico, menos impostos paga.
E como o senhor propõe resolver esse impasse?
Veja só: eu não estou propondo aumentar a carga tributária sobre a renda, estou propondo uma negociação exaustiva com empresários, trabalhadores, Congresso, governo e profissionais para poder, gradativamente, ao longo dos próximos 10 ou 20 anos, tirar um ponto percentual por ano da taxa do consumo e levar para a renda. Imediatamente, na base de consumo, ao simplificar nove tributos – ISS, ICMS, IPI, PIS, Cofins, CIDE, Salário-Educação, IOF e Pasep – para termos um IVA e um imposto seletivo. Esse é o sistema existente na Europa e no Canadá.
O principal ponto dentro da reforma tributária proposta pelo senhor é a criação do IVA, o Imposto sobre Valor Agregado. Como ela resolve o emaranhado tributário brasileiro?
Em primeiro lugar, a cobrança será automática e eletrônica. Não haverá ato declaratório ou burocracia. A cada etapa da cobrança, desde a matéria-prima até o consumidor final, será débito e crédito eletrônico, com crédito financeiro. E o dinheiro arrecadado irá diretamente para os estados, os municípios, a União ou onde for designado pela nota fiscal eletrônica. O empresário não vai pôr a mão no dinheiro e isso muda todo o paradigma da cobrança no Brasil. Hoje você primeiro declara entrada e saída, para ver no fim do mês o quanto tem a pagar e efetuar esse pagamento na primeira ou segunda dezena do mês seguinte. Haverá ainda, dentro da base do IVA, um imposto seletivo para uma cobrança adicional sobre energia elétrica, combustíveis, telecomunicações, cigarros, bebidas e veículos, como existia antes de 1988.
[O IVA] simplifica ao diminuir o número de impostos da base de consumo. Você elimina a elisão, e a sonegação diminui bastante. Diminui também o contencioso tributário, que hoje é de R$ 2 trilhões, tanto nos tribunais federais quanto nos estaduais e nos conselhos de contribuintes. Você diminui ainda a renúncia fiscal, que é de R$ 500 bilhões, e a sonegação, que é outro meio trilhão. E tira a burocracia, que segundo o Banco Mundial gera gastos de R$ 60 bilhões. Nós vamos diminuir as gorduras trans e o mau colesterol da formação de preço ao diminuir o custo de produção e o custo de capital – os estados não devolvem mais créditos de ICMS para as empresas. Ainda se tira a cunha fiscal dos empréstimos bancários, que chega a 30% do spread bancário.
Qual o senhor acredita que é a principal função da reforma: diminuir tributos, redistribuir a carga tributária ou simplificar os cálculos?
Tudo. É uma reengenharia tributária, tecnológica e simplificadora, de inclusão social. Dá para simplificar, dá para reduzir a quase zero a burocracia, zerar a elisão, diminuir o contencioso, diminuir a sonegação e diminuir os incentivos fiscais que criam deformações na formação de preço na economia, tornando a concorrência mais nítida.
Como a atual equipe econômica do governo vê o projeto do senhor?
Eles estão conversando, e colocaram duas ou três preocupações para gente.
Quais preocupações?
Há a questão do estreitamento fiscal. Com a arrecadação de fiscalização, vai ser preciso crescer o país para todo mundo ganhar. Mas hoje, ele [o Ministério da Fazenda] já não tem mais facilidade de mandar um projeto, ou de aumentar alíquotas, o governo já não tem mais essa força. Nós estamos dispostos a discutir qualquer problema, inclusive dificuldades arrecadatórias que eles tenham na área previdenciária. Estamos abertos a este diálogo com o Governo Federal, o que também é interesse da esquerda brasileira.
Órgãos como o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), por exemplo, julgam casos com base nas atuais leis tributárias. A mudança não geraria insegurança jurídica?
Nós estamos dando total segurança jurídica, econômica e arrecadatória. Para isso, há um texto constitucional simples, com uma legislação única e nacional, sem as 27 legislações estaduais, e milhares de decretos, portarias e cinco mil e quinhentas legislações de ISS. Você vai ter uma única discussão de um único tributo, que será claro, nítido e que consagrará a base tributária. A segurança jurídica será total. O Doutor Ives Gandra já leu e releu a proposta, assim como eminentes tributaristas também.
O projeto deve ganhar destaque na pauta da Câmara em 2018 – um ano eleitoral, que tende a repelir projetos impopulares. Como ele opera dentro da Casa hoje?
Na Câmara não há nenhum problema até agora. Já falei com vários partidos e vários líderes. A partir da Comissão Especial [destinada a votar a reforma], que é presidida pelo [deputado] Hildo Rocha (PMDB-MA), foi me dada carta branca para ir Brasil afora, fazer palestras e debates. São cinco consultores na Casa apoiando o projeto e trabalhando comigo, sendo dois no meu gabinete. O Sebrae [Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas] contratou para a gente os serviços da FGV-Rio, e estamos em conversa bem afinada com o CCIF [Centro de Cidadania Fiscal de São Paulo], com o Instituto Atlântico e com o Ipea [Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas]. Também estamos conversando com o Ministério da Fazenda, não apenas o Ministro, mas com o [Jorge Antonio Deher] Rachid [secretário da Receita Federal], e com o Mansueto [Almeida], secretário de política econômica.
Podemos falar em prazos para vê-la aprovada?
Acho que podemos fazê-la até março ou abril, já que o próprio governo já decidiu qual será a grande reforma de 2018. Tem de ser tudo no primeiro semestre, até porque, decidindo-se votar em março ou abril, ela terá que fazer todo o restante da legislação e terá pelo menos um ano de testes.
Uma vez aprovada, o senhor vê a reforma com algum prazo de validade? Em quanto tempo precisaremos pensar em uma nova reforma tributária?
O que estamos fazendo, caso esteja tudo aprovado, fará com que fiquemos em harmonia com os sistemas tributários europeu e canadense. Não serão parecidas com os modelos asiáticos, como o chinês, e ainda teremos de resolver esse outro problema, de competitividade.
Fonte: JOTA

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