Aprovação da reforma tributária: o que pode significar para o setor de serviços?

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Por Marcos Cintra

Na reforma tributária, o governo menospreza a importância do setor de serviços na economia brasileira. Com a aprovação da PEC 45 pelo Senado, e agora em discussão na Câmara dos Deputados, isso é algo que precisa da nossa atenção. O posicionamento estratégico deste setor o torna crucial para entendermos as mudanças que estão por vir.

As projeções dos impactos nos preços setoriais apresentadas abaixo foram estimadas por um modelo baseado na matriz interindustrial e tomou por base os dados da TRU, tabela de recursos e usos do IBGE. Foram considerados os parâmetros para os setores beneficiados com redução de alíquotas e regimes especiais, conforme aprovado no Senado. Na primeira coluna, a carga tributária atual; na segunda, a carga resultante da aplicação da PEC 45; e na terceira coluna, a variação percentual.

A reforma tributária tem como principal característica uma forte onda de aumentos de carga tributária no setor de serviços, tais como mão de obra terceirizada, serviços profissionais, a extração mineral e o setor financeiro. Essas atividades são protagonistas importantes ao se avaliar quem mais emprega e exporta no Brasil. Por isso, é essencial compreendermos a dimensão dessas mudanças e o que isso pode implicar. Lado a lado com essa realidade, há cenários medianamente favoráveis para a agricultura, comércio e construção civil, e fortemente positivos para a manufatura. Nas simulações aceitamos com bastante desconfiança a alíquota neutra de 27,5% estimada pelo governo.

Mesmo que a carga tributária global se mantenha constante, um deslocamento entre setores, como mostra a tabela abaixo, pode causar uma série de reações em cadeia imprevisíveis.

Carga tributária média dos setores econômicos agregados

Setores Carga tributária sobre faturamento (%) Variação percentual
Carga Tributária Atual Carga Tributária com PEC 45 e alíquota de 27,5%
Agropecuária, produção vegetal, pesca e aquicultura 28,59 26,58 -7,0%
Extração mineral 29,76 35,56 19,5%
Indústria de alimentos 26,67 24,19 -9,3%
Indústria de transformação 40,41 31,71 -21,5%
Eletricidade, gás, água, esgoto e gestão de resíduos 28,86 31,61 9,5%
Construção 28,27 26,59 -6,0%
Comércio 30,54 28,97 -5,1%
Intermediação financeira 13,29 14,84 11,7%
Serviços 22,27 26,10 17,2%

 

Inserida neste contexto, a incerteza que a reforma tributária vai causar, e já está causando, pode desestruturar a economia, impactando negativamente a taxa de crescimento e os investimentos do país.

Observa-se que macro setores estratégicos da economia brasileira sofrerão aumentos significativos de carga, como a extração mineral, utilidades públicas, bancos, serviços financeiros, e principalmente os serviços. A indústria desponta como a grande beneficiária da reforma tributária brasileira (e em menor escala a indústria de alimentos).

O estudo desagregou a economia em 140 setores, dos quais destacamos os resultados obtidos para as atividades componentes do setor terciário. Chamamos atenção para a gravidade do quadro resultante da aprovação da PEC 45 como se encontra.

A maior parte dos prestadores de serviços poderá enfrentar dificuldades em repassar custos adicionais próximos ou acima de 20% em importantes atividades do setor (marcados em cinza). Itens essenciais sofrerão acréscimos tributários insuportáveis (marcados em vermelho) comprometendo o poder aquisitivo da população, a sobrevivência das empresas, e sobretudo o emprego, principalmente para as camadas mais carentes da força de trabalho.

Impactos na carga tributária das atividades terciárias

Setores Carga tributária sobre faturamento (%)
Carga tributária atual Carga tributária com PEC 45 e alíquota 27,5% Var %
Serviços de impressão e reprodução 30,33 28,83 -5,0
Água, esgoto, reciclagem e gestão de resíduos 22,41 25,12 12,1
Coleta de Resíduos não perigosos 28,22 32,91 16,6
Coleta de resíduos perigosos 28,69 33,36 16,3
Tratamento e disposição de resíduos não perigosos 27,05 31,81 17,6
Tratamento e disposição de resíduos perigosos 30,91 35,45 14,7
Edificações 28,37 25,29 -10,9
Obras de infra-estrutura 26,59 23,93 -10,0
Serviços especializados para construção 29,86 30,54 2,3
Comércio e reparação de veículos 30,36 27,70 -8,7
Comércio por atacado e a varejo, exceto veículos automotores 30,71 30,24 -1,5
Transporte terrestre de carga 34,81 31,87 -8,4
Transporte terrestre de passageiros 27,32 25,96 -5,0
Transporte aquaviário 35,16 33,79 -3,9
Transporte aéreo 27,27 29,10 6,7
Armazenamento e serviços auxiliares aos transportes 22,83 29,45 29,0
Correio e outros serviços de entrega 21,02 27,43 30,5
Serviços de alojamento em hotéis e similares 25,43 23,09 -9,2
Serviços de alimentação 31,85 21,93 -31,1
Livros, jornais e revistas 15,80 25,06 58,6
Serviços cinematográficos, música, rádio e televisão 20,70 30,41 46,9
Telecomunicações, TV por assinatura e outros serv. Relacionados 30,89 27,47 -11,1
Desenvolvimento de sistemas e outros serviços de informação 18,52 27,28 47,3
Intermediação financeira, seguros e previdência complementar 13,29 14,84 11,7
Aluguel efetivo e serviços imobiliários 15,92 15,47 -2,9
Aluguel imputado 20,55 20,67 0,6
Serviços jurídicos, contabilidade e consultoria 19,04 23,13 21,5
Pesquisa e desenvolvimento 23,72 30,02 26,6
Serviços de arquitetura e engenharia 19,90 27,05 36,0
Publicidade e outros serviços técnicos 22,53 28,27 25,5
Aluguéis não-imob. e gestão de ativos de propriedade intelectual 12,76 27,62 116,6
Condomínios e serviços para edifícios 16,11 22,89 42,2
Serviços combinados de apoio de edifícios, exc cond prediais 25,46 31,51 23,7
Limpeza em prédios e domicílios 25,56 31,60 23,6
Imunização e controle de pragas urbanas 27,49 33,37 21,4
Atividades de Limpeza não especificadas anteriormente 26,95 32,88 22,0
Outros serviços administrativos 17,51 24,30 38,8
Locação de mão de obra temporária 24,64 30,86 25,3
Fornecimento e gestão de recursos humanos 24,92 31,12 24,9
Medição de consumo de energia elétrica, gás e água. 25,60 31,75 24,0
Atividades de serviços prestados principalmente às empresas 28,38 34,30 20,9
Serviços de vigilância, segurança e investigação 11,90 24,27 104,0
Serviços coletivos da administração pública 21,83 23,22 6,4
Serviços de previdência e assistência social 21,83 23,22 6,4
Educação pública 25,31 26,40 4,3
Educação privada 15,11 17,98 19,0
Saúde pública 28,31 26,08 -7,9
Saúde privada 21,16 18,43 -12,9
Serviços de artes, cultura, esporte e recreação 15,98 18,83 17,8
Organizações patronais, sindicais e outros serviços associativos 18,80 29,01 54,3
Manutenção de computadores, telefones e objetos domésticos 21,95 27,23 24,0
Serviços pessoais 22,22 25,93 16,7
Serviços domésticos 0,00 0,00 0,0

 

A conclusão é que, embora possa haver benefícios para setores como a manufatura e parcialmente para a agricultura, comércio, construção civil e algumas atividades do setor terciário, o aumento da carga tributária sobre os prestadores de serviços pode ter consequências negativas para a economia nacional.

Vale ressaltar que a carga tributária global não será reduzida, o que seria desejável em um país em desenvolvimento com uma carga global de mais de 35%. É importante considerar também que o setor de serviços desempenha um papel fundamental na economia, contribuindo significativamente para o PIB e gerando a maior parte dos empregos, principalmente os de menor qualificação.

É necessário, portanto, que as autoridades avaliem cuidadosamente os impactos da reforma tributária sobre o setor de serviços e busquem medidas que possam minimizar seus os efeitos negativos. Há que se encontrar um equilíbrio entre a necessidade de reformar o imposto sobre o consumo, e o estímulo ao crescimento econômico, garantindo que a reforma seja justa e não prejudique setores estratégicos para o desenvolvimento do País.

Marcos Cintra
professor-titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas (FGV). Foi secretário especial da Receita Federa
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