Duas condenações recentes por dano moral confirmadas pelo Tribunal Superior do Trabalho demonstram que, a partir da Emenda Constitucional 45/2004, certas situações até então toleradas no ambiente de trabalho são hoje consideradas atentatórias à dignidade do trabalhador. Nos dois casos, o motivo da condenação foram ofensas relacionadas à origem dos trabalhadores e aos estereótipos a ela relacionados.
Na primeira decisão, o TST dobrou o valor da indenização que a TVA Sul Paraná terá de pagar a um empregado que era chamado por seu superior hierárquico de “baiano preguiçoso” – e, numa medida inédita, terá de divulgar o teor da decisão a todos os seus empregados. Na outra, a Doux Frangosul S. A. Agro Avícola não conseguiu reverter condenação a indenizar um trabalhador congolês que era chamado de “árabe sujo”.
Mudança nas relações
O ministro Vieira de Mello Filho, presidente da Sétima Turma, órgão que julgou o caso da TVA, destacou que a ampliação da competência da Justiça do Trabalho para julgar casos de reparação de danos materiais e morais vem alterando substancialmente a cultura das relações de trabalho no Brasil. Segundo ele, a falta de um instrumento jurídico efetivo para coibir condutas ética e moralmente reprováveis acabou criando um padrão cultural nas relações de trabalho. “Acredito que nenhum cidadão gostaria de passar pelas situações que temos visto no nosso dia-a-dia, ao julgar esses casos”, observou. “E isso é um fato comum”.
Para Vieira de Mello, o Brasil parece ter perdido um pouco a consciência de seus valores morais e éticos. “As pessoas acham que tudo é uma piada. Mas não é assim. Aqui, não era uma piada, era uma ofensa. E nós estamos aqui exatamente para coibir esse tipo de procedimento numa relação de trabalho onde há uma condição de subordinação ou, no mínimo, de dependência econômica, que muitas vezes impede o trabalhador de reagir”, concluiu.
“Baiano preguiçoso”
Na reclamação trabalhista contra a TVA, o trabalhador, contratado como vendedor de pacotes de assinatura, disse que seu supervisor “cobrava metas impossíveis e acima do razoável”, e, quando havia algum equívoco em suas vendas, perguntava, de forma discriminatória, “se ocorreu alguma ‘baianada'”, além de ofendê-lo com expressões de baixo calão. Testemunhas ouvidas no processo confirmaram o tratamento desrespeitoso: o supervisor fazia comentários alusivos à origem do vendedor, chamando-o de preguiçoso e oferecendo uma rede para descansar. “O supervisor ´pegava no pé’ dele por ser baiano”, afirmou uma das testemunhas.
Em recurso ao TST, o trabalhador sustentou que o caso configurava discriminação racial no ambiente de trabalho, e que o valor de R$ 4 mil inicialmente arbitrado pelo Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região (BA) não compensava a humilhação, o constrangimento e o abuso de poder sofridos.
A Sétima Turma do TST seguiu a proposta do relator, ministro Cláudio Brandão, de aumentar a indenização para R$ 10 mil. “Não se admite que o ambiente de trabalho seja palco de manifestações de preconceito e que não se observe o mínimo exigido para que as pessoas – empregadas ou não – sejam tratadas com respeito próprio de sua dignidade”, afirmou o relator.
Banana no campo
Para o ministro Cláudio Brandão, “a grande questão não está na designação de ‘baiano’, mas no que o fato em si representa”. A relevância, segundo ele, “está na suposição, partida de algumas pessoas, de que são superiores a outras e na ‘coisificação’ do ser humano; de que a condição pessoal de alguém lhe impinge determinada marca que pode ser utilizada como sinal de distinção pejorativa no grupo social no qual convive”. O que está em jogo, destacou, “é o menosprezo, o descaso com a condição humana”.
Cláudio Brandão afirmou que a intenção é que deve ser investigada e, “uma vez comprovado o intuito depreciativo, merecer a mais ampla repulsa do Poder Judiciário”, como forma de coibir todo e qualquer preconceito, seja ou não no ambiente de trabalho. “Certamente quem assim pensa deve achar normal um torcedor jogar banana no campo de futebol como forma de ataque ao atleta”, assinalou.
“Árabe sujo”
No caso da Doux Frangosul, o trabalhador, nascido no Congo, foi contratado para realizar o “abate islâmico”, ou halal, método religioso que consiste no degolamento manual das aves ainda vivas, ao invés da utilização de facas ou máquinas. Na reclamação trabalhista, ele relatou que ele e seus colegas muçulmanos eram humilhados e discriminados. Além de serem chamados de “árabes sujos, molengas e imprestáveis”, disse que era agredido pelos chefes do setor, que arremessavam contra ele os frangos mortos, cheios de sangue, toda vez que havia algum corte irregular ou quando a meta diária não era alcançada.
Em defesa, a Doux Frangosul alegou que não podia ser responsabilizada pelos problemas pessoais do empregado com os supervisores e que sempre ofereceu condições seguras e adequadas para seus empregados realizarem suas atividades. Condenada pelo Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS) a pagar indenização de R$ 15 mil, a empresa não teve seu recurso conhecido pelo TST.
A Terceira Turma, com base no quadro descrito, entendeu evidenciado que o tratamento humilhante e discriminatório dispensado pelos fiscais “extrapolou os limites do aceitável”, caracterizando o assédio moral. O ministro Alberto Bresciani, relator do recurso, afirmou que é obrigação do empregador “respeitar a consciência do trabalhador, zelando pela sua saúde mental e liberdade de trabalho, sua intimidade e vida privada, sua honra e imagem”, impedindo a ocorrência de práticas que o exponha a situações “humilhantes, constrangedoras, ridículas, degradantes, vexatórias, tendentes a incutir na psique do trabalhador ideia de fracasso decorrente de uma suposta incapacidade profissional”.
Divulgação
Além da indenização, a Sétima Turma adotou, no caso da TVA, uma decisão inédita: determinou que o inteiro teor da decisão seja divulgado a todos os empregados, por meio eletrônico ou equivalente, “como medida suasória para evitar comportamentos que tais, diante de sua gravidade, em virtude da necessidade de se agregar à decisão judicial instrumentos aptos a torná-la efetiva.” A medida tem fundamento no artigo 461 do Código de Processo Civil, que autoriza ao juiz determinar “providências que assegurem o resultado prático” da decisão.
O dispositivo do CPC, segundo o relator, “é um verdadeiro ‘cheque em branco’ que se atribui ao magistrado para, diante do caso concreto, determinar quaisquer providências que, a seu juízo, possibilitem à decisão judicial produzir efeitos para além do mundo dos autos e alcance a vida real, o mundo dos fatos”. “Rompe-se, com isso, com a visão monetarista do processo”, afirmou, contribuindo-se “também para fazer cessar o comportamento lesivo”.
(Carmem Feijó e Taciana Giesel)
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