Compra de Certificados Recicla+ tem potencial de produzir benefícios econômicos e ambientais
Depois dos créditos de carbono e metano, chegou a vez do crédito de reciclagem. De forma análoga aos seus primos mais velhos, o crédito de reciclagem representa uma tonelada de material que foi destinado à reciclagem ou recuperação energética de forma comprovada. Criado em 13 de abril pelo Decreto 11.044/22, o Certificado de Crédito de Reciclagem – Recicla+ visa contribuir para a estruturação da cadeia de reciclagem no Brasil, além de conferir maior efetividade à logística reversa.
O Recicla+ será emitido por entidades gestoras que representam grupos de fabricantes, distribuidores, importadores ou comerciantes de alguns tipos de produtos, como agrotóxicos, pilhas e baterias, pneus, lâmpadas, produtos eletroeletrônicos, dentre outros. De acordo com a Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305/10), essas empresas devem recolher os produtos e embalagens após o uso pelo consumidor (logística reversa).
Os potenciais compradores do Recicla+ são as empresas que precisam cumprir metas de logística reversa no modelo coletivo, além de demais companhias e investidores. Na avaliação da advogada Ana Carolina Barbosa, associada do Freitas Ferraz Capuruço Braichi Riccio Advogados, a aquisição tende a ser vantajosa para as empresas, uma vez que, para elas, pode ser mais econômico comprar um certificado do que investir num sistema próprio de reciclagem. “Além de garantir o cumprimento das metas de logística reversa, as empresas que comprarem os créditos ainda estarão contribuindo para as melhorias nas condições de trabalho dos catadores, para a estruturação das associações e o aumento da transparência quanto aos volumes de materiais reciclados”, destaca Barbosa.
Para dar confiabilidade aos certificados, a emissão do Recicla+ depende da validação do Manifesto de Transporte de Resíduos (MTR) do Sistema Nacional de Informações sobre Gestão de Resíduos Sólidos (Sinir). Os créditos terão como lastro as notas fiscais eletrônicas emitidas e deverão ser auditados por terceiros.
Na entrevista abaixo, Barbosa detalha como o Recicla+ vai funcionar e seus benefícios.
O que é o Certificado de Crédito de Reciclagem – Recicla+ e como vai funcionar a sua emissão e negociação?
Ana Carolina Barbosa: O Certificado de Crédito de Reciclagem (Recicla+), conforme definição estabelecida pelo Decreto 11.044/22, é o documento emitido pela entidade gestora que comprova a restituição ao ciclo produtivo da massa equivalente dos produtos ou das embalagens sujeitas à logística reversa. Ele pode ser adquirido por fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes, para compensação com as metas de logística reversa, num modelo coletivo.
Dentre os objetivos do decreto estão: garantir mais segurança e transparência para os créditos de reciclagem; contribuir para a estruturação da cadeia de reciclagem no Brasil; garantir a efetividade da política de logística reversa do País e da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS).
Os certificados de créditos de reciclagem Recicla+ serão emitidos pelas entidades gestoras, serão lastreados no certificado de destinação final — emitido por meio do Manifesto de Transporte de Resíduos (MTR) do Sistema Nacional de Informações sobre Gestão de Resíduos Sólidos (Sinir) — e nas notas fiscais eletrônicas das operações de comercialização de produtos ou de embalagens comprovadamente retornados ao fabricante ou à empresa responsável pela sua reciclagem ou recuperação energética.
Poderão ser entidades gestoras as pessoas jurídicas instituídas e administradas por entidades representativas de âmbito nacional dos setores de fabricantes, importadores, distribuidores ou comerciantes, que têm por objetivo estruturar, implementar e operacionalizar o sistema de logística reversa de produtos ou de embalagens em modelo coletivo. As pessoas jurídicas interessadas deverão se cadastrar no Sinir e obter autorização para operacionalizar sistemas de logística reversa em modelo coletivo, homologar notas fiscais eletrônicas e emitir os certificados Recicla+.
Os certificados poderão ser comercializados para ser compensados por empresas que têm metas de logística reversa no modelo coletivo. Mas os títulos também poderão ser adquiridos por outras empresas e investidores.
O Decreto prevê a criação de um grupo de acompanhamento de desempenho, que irá reportar os resultados obtidos ao Ministério do Meio Ambiente e divulgar a implementação do sistema de logística reversa no País.
Quais são os mecanismos criados para dar confiabilidade aos certificados?
Ana Carolina Barbosa: A emissão do Recicla+ dependerá da validação do Manifesto de Transporte de Resíduos (MTR) e terá lastro nas notas fiscais eletrônicas emitidas, o que garantirá a rastreabilidade dos materiais reciclados. Esses documentos deverão ser auditados por terceira parte, custeada pela entidade gestora, que também fará a auditoria das instalações e do processo dos operadores.
O sistema visa estruturar a cadeia de reciclagem, valorizar os catadores e suas associações, garantir transparência e maior controle dos índices de reciclagem de materiais no Brasil.
Espera-se que, num futuro próximo, as metas de reciclagem sejam aumentadas e o controle dos materiais reciclados seja mais preciso e confiável.
A aquisição dos certificados Recicla+ pelas empresas não é obrigatória. Elas terão interesse em comprá-los?
Ana Carolina Barbosa: A aquisição dos créditos de reciclagem é voluntária e as empresas poderão cumprir suas metas de logística reversa de outras formas. Mas a aquisição dos certificados pode ser economicamente mais interessante do que o investimento em um sistema de reciclagem próprio. Ademais, ao adquirir créditos de reciclagem, a empresa fortalecerá a estruturação da cadeia de reciclagem com maior valorização dos operadores e associações de catadores, garantindo-lhes uma receita extra com a venda dos certificados. Além de garantir o cumprimento das metas de logística reversa, as empresas ainda estarão contribuindo para melhorias nas condições de trabalho dos catadores, para a estruturação das associações, o aumento da transparência quanto aos volumes de materiais reciclados, desenvolvendo todo o sistema.
Quais são os fatores mais importantes para o sucesso dessa iniciativa? Os certificados Recicla+ poderão de fato contribuir para o melhor aproveitamento dos resíduos sólidos e aumento da reciclagem no Brasil?
Ana Carolina Barbosa: O uso de instrumentos econômicos como os créditos de reciclagem e créditos de carbono têm se mostrado uma maneira eficiente de levar investimentos para os projetos de transição para uma economia de baixo carbono. A iniciativa do Recicla+ apresenta um sistema de governança que garante a rastreabilidade e maior controle dos resíduos sólidos coletados, triados e destinados. Além do mais, os créditos de reciclagem garantem recursos para a formalização e estruturação dos atores da cadeia de reciclagem, valorizando os operadores e as centrais de triagem e reciclagem de materiais, que são fundamentais para o sucesso da política no Brasil. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), os trabalhadores com a coleta são responsáveis por 90% de todo o lixo reciclado no Brasil.
O sistema compatibiliza a gestão empresarial com a as práticas de mercado, visando aumentar a percepção de valor dos produtos/embalagens, gerando emprego e renda. O incentivo financeiro ainda pode contribuir para o desenvolvimento da cadeia de reciclagem de outros materiais, que hoje não são tão valorizados no País, atrair investidores e empresas que adotem inciativas ESG (Environmental, Social and Governance).
Portanto, o programa pode contribuir para o aumento da reciclagem no Brasil, mas ainda será necessário endereçar outros pontos relevantes como: o reaproveitamento de todos os materiais que seriam recicláveis; a absorção dos materiais reciclados pelas indústrias que os produzem, com a criação de novos produtos; e a eliminação de alguns produtos de alto impacto no meio ambiente, como os plásticos de uso único.
Vale lembrar que, recentemente, a Organização das Nações Unidas (ONU) emitiu uma resolução que visa a elaboração de um acordo internacional juridicamente vinculativo para acabar com a poluição plástica no mundo, de modo que as empresas terão que acelerar a transição de seus processos produtivos, principalmente no setor de plásticos.