Por Rodrigo Caserta e Gustavo Reis
Com o advento da leis 10.637, de 30/12/2002, e 10.833, de 29/12/2003, estabeleceu-se no ordenamento brasileiro a sistemática da não cumulatividade em relação às contribuições para o PIS/Pasep e a Cofins. Essa nova sistemática passou a conviver com o regime cumulativo das referidas contribuições, que continua a ser aplicado, por exemplo, às pessoas jurídicas que apuram o imposto de renda pelo lucro presumido ou arbitrado (artigo 10, II).
Nos termos do artigo 3º, § 1º das referidas leis, os contribuintes sujeitos à sistemática não cumulativa das contribuições poderão apropriar créditos para abater o tributo devido em suas próprias operações, calculados por meio da aplicação das alíquotas das contribuições (1,65% e 7,6%) sobre o valor dos bens, serviços e despesas passíveis de creditamento, conforme listados nos incisos I a XI do artigo 3º das referidas leis (sistemática “base contra base”).
Por mais que a legislação não preveja qualquer tipo de prazo para a utilização dos créditos dessa natureza, a Cosit — órgão administrativo consultivo da Receita Federal do Brasil (RFB) — tem manifestado entendimento de que os contribuintes estariam obrigados a utilizar os referidos créditos dentro do prazo “prescricional” de cinco anos, sob pena de perecimento do direito.
O referido órgão sustenta que os créditos da não cumulatividade do PIS/Cofins estariam sujeitos ao prazo prescricional geral de cinco anos, nos termos do artigo 1º do Decreto 20.910/32, que assim dispõe: “As dívidas passivas da União, dos estados e dos municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem” (grifou-se).
Com fundamento nessa disposição, a Cosit proferiu diversas soluções de consultas no sentido de que “os direitos creditórios referidos no artigo 3º da Lei nº 10.637, de 2002, estão sujeitos ao prazo prescricional previsto no artigo 1º do Decreto nº 20.910, de 6 de janeiro de 1932, cujo termo inicial é o primeiro dia do mês subsequente ao de sua apuração, ou, no caso de apropriação extemporânea, o primeiro dia do mês subsequente àquele em que poderia ter havido a apuração (§ 1º do artigo 3º da Lei nº 10.637, de 2002)”[1].
Em relação a esse entendimento, parece-nos que duas importantes considerações se fazem necessárias.
A primeira delas diz respeito à questionável aplicação do prazo prescricional geral do Decreto 20.910/32 à hipótese relativa à utilização de créditos da não cumulatividade do PIS/Cofins.
Nesse particular, deve-se notar que o direito brasileiro diferencia os institutos da prescrição e da decadência tanto na esfera do direito civil, conforme artigo 189 e 207 do Código Civil de 2002, quanto em âmbito do direito tributário, nos termos do artigo 156, inciso V do CTN.
A “prescrição” em seu sentido técnico jurídico diz respeito à perda de pretensão jurídica em função da demora no exercício de direito de ação pelo titular de direito subjetivo que tenha sido violado.
A decadência, por sua vez, diz respeito à perda de um direito potestativo, que independe da cooperação da parte contrária e, por via de consequência, prescinde do acionamento do Poder Judiciário. Para esses casos, é possível que a legislação preveja prazo decadencial para o exercício do direito, sob pena do perecimento do próprio direito.
Com relação a essa matéria, vejamos as didáticas lições do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) José Carlos Moreira Alves:
“Prazo de prescrição ocorre toda vez que há violação de um direito subjetivo, e há necessidade, portanto, de se levar aquela pretensão ao Poder Judiciário para que dirima o conflito. Então, toda vez que houver violação de direito subjetivo, nós temos um prazo de prescrição para que a nossa pretensão possa ser levada ao Estado mediante uma ação judicial. Já prazo de decadência ocorre quando se trata dos chamados ‘direitos potestativos’, na nossa linguagem neolatina. Os alemães usam geralmente a expressão ‘direitos formativos’. Nós é que empregamos, seguindo Chiovenda, que pela primeira vez se utilizou dessa expressão ‘direito potestativo’, ou seja, os direitos em que o titular deles não tenha a necessidade da colaboração da parte contrária, como ocorre com relação aos direitos subjetivos. Se eu sou credor de alguém, tenho a necessidade da colaboração do devedor para que o meu direito seja satisfeito. Já os chamados direitos potestativos ou direitos formativos são direitos em que não há um poder em face de um dever, mas há um poder em face de uma sujeição: o titular do poder, por ato unilateral, sujeita a outra parte.”[2]
À luz dos ensinamentos acima, parece-nos claro que o direito à apropriação e utilização de créditos fiscais na escrita do sujeito passivo diz respeito a direito potestativo e que, portanto, não está sujeito a prescrição. De fato, esse direito se realiza através da escrita fiscal do sujeito passivo, independentemente do acionamento do Poder Judiciário, ou da cooperação do sujeito ativo da relação jurídica tributária.
Nesse sentido, conforme lição de Roque Antonio Carrazza,“a compensação assume conotação toda própria, por servir como típico direito subjetivo de caráter potestativo. Tal se verifica, em face da autorização dada ao contribuinte para, independentemente de qualquer autorização fazendária, apurar o montante do tributo devido e efetuar o precitado encontro de contas”[3][4].
Assim, considerando que o artigo 1º do Decreto 20.910/32 faz referência apenas à prescrição de direitos (“prescrevem”), entendemos ser altamente questionável a utilização desse dispositivo como fundamento da perda do direito potestativo de compensar créditos da não cumulatividade do PIS/Cofins.
Ultrapassado esse aspecto preliminar, não nos parece que a prescrição seja aplicável à hipótese em que o contribuinte, apesar da regular apropriação dos créditos de PIS/Cofins (mediante o devido registro em sua escrita fiscal), deixe de utilizá-los em razão de eventual insuficiência de receitas tributáveis por essas contribuições.
Nesse particular, deve-se notar que, por mais que sejam institutos jurídicos distintos, a função dos prazos de prescrição e decadência é punir a inércia da parte que não exerceu direito que lhe cabia.
Como bem definido pelo ministro Luiz Fux, do STF, nos autos do Recurso Especial 849.273/RS, “a decadência, assim como a prescrição, nasce em razão da realização do fato jurídico de omissão”.
Nesse mesmo sentido, cite-se a seguinte doutrina:
Aliomar Baleeiro
“Tanto a decadência como a prescrição são formas de perecimento ou extinção de direito. Fulminam o direito daquele que não realiza os atos necessários a sua preservação, mantendo-se inativo. Pressupõem ambas dois fatores:
– A inércia do titular do direito;
– O decurso de certo prazo, legalmente previsto.”[5]
Silvio de Salvo Venosa
“É grande a analogia entre a decadência e prescrição. Ambos institutos se fundam na inércia do titular do direito, durante certo lapso de tempo. Ambas jogam, portanto, com o conceito de inércia e tempo.” [6]
Com base nesse entendimento, tem-se que, independentemente da natureza potestativa ou subjetiva desse direito, nos casos em que o crédito de PIS/Cofins for devida e oportunamente registrado e permanecer na escrita fiscal sem ser compensado no prazo quinquenal em razão de insuficiência de receitas tributáveis, não há como penalizar o sujeito passivo.
Com efeito, nessas situações, o contribuinte terá tomado todas as medidas que estavam ao seu alcance para o exercício pleno do seu direito de compensar créditos relativos à aquisição de bens e serviços com débitos decorrentes das receitas por ele auferidas. Só não os compensa em razão de circunstância alheia à sua vontade que inviabiliza o exercício regular do direito, qual seja, a insuficiência de receitas tributáveis.
Em linha com esse entendimento, vejamos a doutrina de Hiromi Higuchi:
“O crédito de Cofins devidamente constituído na contabilidade ou no DACON não tem prazo prescricional para sua utilização como dedução da contribuição devida. Com exceção dos créditos decorrentes de exportação ou saída sem a incidência, os demais créditos não são passíveis de ressarcimento ou compensação com outros tributos. Com isso não há que falar em prazo de prescrição quinquenal do CTN. (…)
Tratando-se de créditos de PIS e COFINS restituíveis ou compensáveis com outros tributos, como ocorre com os apurados na produção de bens exportados ou vendas sem incidência das contribuições, é razoável entender que prescrevem em cinco anos na forma do art. 168 do CTN. (…)
Os créditos não restituíveis em dinheiro ou não compensáveis com débitos de outros tributos, como ocorre com a maioria dos créditos de PIS e COFINS, desde que escriturados ou informados no DACON, não têm prazo prescricional. O § 4° do art. 3° da Lei n° 10.833, de 2003, dispõe que o crédito não aproveitado em determinado mês poderá sê-los nos meses subsequentes. Para ter prazo prescricional teria que ter lei expressa.”[7] (Grifamos)
Concordamos com a ressalva constante da citação acima, no sentido de que a “imprescritibilidade” somente se aplica aos créditos em relação aos quais a legislação não preveja a possibilidade de pedido de ressarcimento.
Isso porque, nos casos de créditos passíveis de ressarcimento — como é o caso de créditos decorrentes de saídas imunes de exportação[8], isenção, alíquota zero, ou não incidência[9], por exemplo — o contribuinte possui meios para reaver seus direitos creditórios, de forma que eventual não aproveitamento do referido direito decorreria da sua própria inação.
Não sendo esse o caso, entendemos inexistir prazo para que sejam compensados os créditos da não cumulatividade do PIS/Cofins apurados e escriturados tempestivamente pelos contribuintes, tendo em vista a manifesta ausência de qualquer inércia por parte do seu titular.
[1] E.g. Solução de Consulta nº 54, de 25.03.2021; Solução de Consulta 204, de 15.12.2021; Solução de Consulta 355, de 13.07.2017.
[2] MOREIRA ALVES, em palestra publicada nas Pesquisas Tributárias/Nova Série – 6, Direitos Fundamentais do Contribuinte, coord. Ives Gandra da Silva Martins, Ed. RT e CEU, 2000, p. 20-21
[3] O fragmento citado diz respeito ao ICMS e ao IPI, mas aplica-se pelas mesmas razões ao PIS/COFINS não cumulativo.
[4] ICMS, 17ª edição, São Paulo: Malheiros, 2015, fl. 503.
[5] Direito Tributário Brasileiro. 12ª ed. Forense, Rio de Janeiro, p. 1329.
[6] Teoria Geral do Direito Civil. Parte Geral. Volume 1. 3ª ed. Atlas, São Paulo, p. 617/618.
[7] Imposto de Renda das Empresas: Interpretação e Prática. Atualizado até 10-01-2016. 41ª Edição. São Paulo: IR Publicações, 2016. p. 848
[8] Art. 6º, § 2º, Lei 10.833/03, art. 5º, § 2º, Lei 10.637/02.
[9] Art. 16, Lei 11.116/05 c/c art. 17, Lei 11.033/04.