Com o sistema Sped, segundo a especialista, o governo mandou claramente a seguinte mensagem: “Não importa quem você é nesse cenário, o importante é desenvolver conhecimentos e saberes a fim de correr e ir mais longe e de forma segura”, afirma em entrevista ao DCI.
Autora do livro “Sped sem Armadilhas”, publicado em fevereiro deste ano pela Editora Trevisan, Geuma tem uma opinião diferente da maioria dos especialistas sobre o novo sistema de escrituração, que criticam o cada vez mais crescente e complexo volume de informações exigidas pelo fisco. “Continuo condenando a miopia tributária dos contribuintes e ressalto cada vez mais que o empresário, o contribuinte, precisa focar a gestão tributária. Isso pode ser feito através do sistema Sped, pois este requer primordialmente que a empresa tenha de forma estruturada e correta a contabilidade societária, de custos e a própria contabilidade tributária. Com este conjunto alinhado aos objetivos do Sped, o empresário estará mais preparado”, afirma.
Geuma lembra, no entanto, que além de exigências, o governo também fez promessas de reduzir a quantidade de obrigações acessórias – hoje são cerca de 100 instrumentos tributários.
A seguir, a entrevista.
DCI – Na sua opinião, o Sped é uma ferramenta de gestão tributária. Poderia explicar essa visão?
Geuma Nascimento – Primeiramente, precisamos compreender que é possível pensar em segurança ou em insegurança com o advento do Sped. Entretanto, com ou sem o Sped, a insegurança tributária é fatalmente alimentada, em boa parte, pela falta de gestão tributária e contábil dentro das empresas e pela permissividade do governo para fazer concessões a uma parte da população de contribuintes. Está constatado, através dos aumentos contínuos nos volumes de tributos arrecadados, que o governo está cada vez mais eficiente e dinâmico na arte de tributar e fiscalizar. Com isso, a necessidade por conhecimentos renovados e gestão tributária por parte dos cidadãos contribuintes é indiscutivelmente maior do que era antes. Em meus estudos quanto ao grau de conhecimento e interesse sobre o Sped por parte de investidores, empresários e gestores do “alto escalão”, noto um certo grau de distanciamento sobre a realidade efetiva e sobre os requisitos para atendimento a esta exigência tão real e importante para as empresas. Eu caracterizo este cenário como a maldição dos 4 D: o primeiro é o desconhecimento – e desconhecimento, por parte dos investidores/empresários sobre o Sped é a pior das armadilhas, pois leva as pessoas ao lugar mais sombrio e escuro a respeito desse tema e, com isso, tudo o que for apresentado leva à dúvida ou aceite. Acatar sem saber se está contribuindo mais ainda para “enterrar” a própria empresa. É fundamental enfrentar a questão tributária da empresa com fé e coragem, com o pressuposto de que, apesar da suposta “violência” por parte do governo em termos de tributação e penalização, há ferramentais para se proteger.
DCI – O outros “d” são descrença e desinteresse …
Geuma – As pessoas desconhecem, não acreditam e sentem-se totalmente desinteressadas pelo Sped. Somente por meio do conhecimento será possível gerar a crença e o interesse nesse tema. Esse é um desafio que o empresário terá de superar, caso tenha interesse em salvar seu patrimônio. E há também o distanciamento. São tantos os alarmismos por parte de supostos especialistas acerca do Sped, e nada de orientação concreta sobre o devido atendimento, que a única alternativa do empresário é a fuga. Convém fugir mesmo de alarmismos e soluções fáceis ou difíceis demais. A credibilidade só pode existir a partir de um conjunto de fatores que lhe dão sustentabilidade, e o principal deles é o quão se está preparado em termos de conhecimento acerca do tema.
DCI – No livro a senhora também alerta para os perigos que o empresário corre ao desconhecer as estratégias do fisco.
Geuma – Sim, alerto também sobre os riscos que o empresário está suscetível unicamente por não conhecer efetivamente os objetivos e as estratégias do governo. Por exemplo: em 2007, através do decreto 6.022, de 22 de janeiro, foi instituído o Sistema Público de Escrituração Digital, o Sped, iniciativa que faz parte do Programa de Aceleração do Crescimento do governo federal. Se o empresário compreender bem o significado e a significância do Sped, fugindo do simples significado da sigla, compreendendo que o mesmo é um conjunto minimamente complexo de leis e procedimentos operacionais e sistêmicos que requer do contribuinte três competências: conhecimentos profundos dos investidores, empresários e gestores dos objetivos do sistema Sped e das temáticas nele envolvidas; estrutura, conhecimento e forte saber tecnológico dos usuários de tecnologia; e mão de obra técnica e especializada com forte saber por parte dos usuários das diversas áreas da corporação, principalmente das áreas de contabilidade e tributária, jamais deixaria este ferramental de gestão tributária fora da sua agenda.
DCI – Já foram implementados vários Speds.
Geuma – Desde 2007, a depender da sistemática de apuração dos tributos sobre o resultado – Imposto de Renda da Pessoa Jurídica e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido -, ou mesmo independente da modalidade adotada, diversos foram os Speds implementados dentro das empresas. Dentre eles, Nota Fiscal Eletrônica, Nota Fiscal de Serviços Eletrônica, Conhecimento de Transporte Eletrônico, Escrituração Contábil Digital, Escrituração Fiscal Digital, Controle Fiscal Contábil de Transição, Escrituração Fiscal Digital – Contribuições PIS e COFINS, além de outros que estão com data marcada para entrar em vigência a partir de 2014, o e-Social, sobre as relações do empregador versus empregado. Cada um destes Speds tem uma abrangência generosa sobre os dados e informações das empresas, e o mais surpreendente são os cruzamentos que a Receita Federal consegue fazer com os mesmos dentro da própria empresa e com dados e informações das relações comerciais – clientes e fornecedores – estabelecidas na dinâmica dos negócios empresariais.
DCI – Como as empresas vão conseguir fornecer tantos dados ao fisco?
Geuma – Para esse volume de informações exigido pelo Sped, é imperativo que a empresa mantenha uma contabilidade societária, de custos e tributária fortemente qualificada, levando em consideração um grau elevado de aplicabilidade das normas e padrões contábeis, bem como da legislação fiscal do País. Infelizmente, ainda nos deparamos com empresas num cenário extremamente fragilizado, ou seja, continuam registrando seus eventos por “usos e costumes”, sem a devida observância dos referidos requerimentos legais. A rigor, estas empresas estão expostas e, cedo ou tarde, o governo as alcançará, pois, se ainda não o fez, fará cedo ou tarde, eu não tenho dúvidas. Por outro lado, o governo fez exigências, mas também fez promessas. Promessas de reduzir a quantidade de obrigações acessórias – pesquisas mostram em torno de aproximadamente 100 instrumentos tributários. Não percebo uma atenção especial dentro das empresas para quando do atendimento aos Speds, a redução desses instrumentos. A gestão tributária dentro da empresa deve ficar atenta, pois isto reduz custos reais e custos invisíveis – como riscos. Eu gosto da definição dada ao Sped pelo coordenador geral do Sistema na Receita Federal, Carlos Sussumu Oda: “A proposta do Sped não é ser um projeto com começo, meio e fim; trata-se de algo que estará em permanente evolução, aprimorando a forma como as empresas interagem com os fiscos federal, estaduais e municipais. É, portanto, um novo paradigma, regulado por premissas de padronização e simplificação de procedimentos”.
DCI – É o que está acontecendo na prática?
Geuma – É exatamente isso que observo ao longo destes anos de existência do sistema Sped. Neste cenário lembro-me de um antigo provérbio africano, que é o seguinte: Todos os dias de manhã, na África, o antílope desperta. Ele sabe que terá de correr mais rápido que o mais rápido dos leões, para não ser morto. Todos os dias, pela manhã, desperta o leão. Ele sabe que terá de correr mais rápido que o antílope mais lento, para não morrer de fome. Não interessa que bicho você é, se leão ou antílope. Quando amanhecer, é melhor começar a correr. Com o sistema Sped eu entendo que o governo nos mandou claramente a mensagem acima. Não importa quem você é nesse cenário, o importante é desenvolver conhecimentos e saberes a fim de correr e ir mais longe e de forma segura.
DCI – O governo também quer combater a sonegação.
Geuma – Em outras palavras o governo nos enviou também mais esta mensagem: o problema tributário brasileiro apresenta diversas vertentes, entre elas o federalismo imperioso desde 1889; a corrupção; e o desconhecimento penoso dos contribuintes. Há pesquisas que apontam o grau elevado de sonegação no País e que com o combate da mesma a carga tributária seria reduzida em pelo menos 30%. Ressalto que um dos objetivos do Sped diz claramente sobre o combate à corrupção. Dentre outros atos, constituem-se crimes contra a ordem tributária a prática e condutas definidas nos artigos 1 e 2 da Lei 8.137/1990. O artigo 1 diz: omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias; fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal; falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável; elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato; negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa à venda de mercadoria ou prestação de serviço efetivamente realizado, ou fornecê-la em desacordo com a legislação.
DCI – Existe o discurso de que a sonegação existe porque a carga tributária é alta.
Geuma – A conduta ilícita do devedor, ou melhor, do sonegador, o leva à seguinte expressão: “há sonegação porque a carga tributária é muito alta”. Eu condeno esta defesa. No meu entendimento, o contribuinte deve buscar o seu “empoderamento tributário”, pois a partir do momento que estiver preparado com conhecimentos reais sobre o sistema e a carga tributária do País, fará melhor gestão tributária sobre os seus recursos, seja pessoa jurídica ou pessoa física. A carga tributária brasileira é pesada, é perversa e altamente complexa e confusa, mas não creio que isto justifique a prática do crime. Por outro lado, eu não tenho dúvidas que o governo vem cumprindo o prometido, combate à sonegação através do Sped. Existem dados mostrando o crescimento da arrecadação tributária, ano após ano, e o percentual de participação na ordem de 30% sobre o Produto Interno Bruto. Parece tímido o aumento que teve de 7% na arrecadação tributária de 2012 em relação a 2011, mas não podemos esquecer do fator desoneração, que somou em torno de R$ 43 bilhões em 2012, ou seja, o governo abriu mão dessa arrecadação e mesmo assim cresceu a arrecadação em 7%, sem ter novos tributos, sem majorar as alíquotas. Qual foi a mágica deste aumento de 7% na arrecadação? Eu atribuo a dois grandes, dos diversos fatores existentes: governo mais eficiente na arrecadação e nas auditorias fiscais e o sistema Sped está sendo um ferramental de gestão tributária para o governo. Por tudo isso, eu continuo condenando a miopia tributária dos contribuintes e ressalto cada vez mais que o empresário, o contribuinte, precisa focar a gestão tributária. A mesma poderá, sim, ser feita através do sistema Sped, pois este requer primordialmente que a empresa tenha de forma estruturada e correta a contabilidade societária, de custos e a própria contabilidade tributária. Com este conjunto alinhado aos objetivos do Sped, o empresário estará mais protegido, fortalecido quanto aos dados e informações prestados ao governo e com estes fará uma correta gestão de seu negócio.
Fonte: dci.com.br