Levantamento da consultoria Blue Numbers junto a 60 companhias indica que funcionários estão gastando horas de trabalho para resolver dificuldades
São Paulo – O profissional deve deixar os problemas pessoais do lado de fora do trabalho. Certo? Errado. Com o aprofundamento da crise, muitas empresas estão se deparando com uma dificuldade crucial: funcionários preocupados e desconectados do trabalho por causa do acúmulo de dívidas e problemas financeiros.
Um levantamento feito pela consultoria Blue Numbers junto a 60 empresas, em 2016, mostrou que empregados endividados chegam a perder, em média, uma hora por dia para resolver problemas pessoais. Se 20% dos funcionários estiverem com problemas, e gastarem uma hora por dia, a empresa perderá 2,5% de sua capacidade produtiva, sem contar com a falta de concentração nas horas trabalhadas, conforme indica o estudo.
Ou seja, um problema enorme para as empresas e que só cresce com o avanço das dificuldades. “O aumento do endividamento é sério e suga o tempo e a energia dos funcionários. E aquela visão antiga de que o pessoal não pode se misturar com o profissional não é real”, diz a sócia da consultoria, Camila Pacheco.
Segundo a especialista, empresas grandes, com a área de Recursos Humanos bem estruturada, podem até lidar com o problema, mas também são afetadas pela queda de produtividade. “Entre as pequenas e médias o problema fica ainda mais grave”, acrescenta.
Cenário sombrio
E os dados do sistema financeiros dão a dimensão da gravidade da situação, uma vez que mais de 60 milhões de brasileiros estão com nome negativado. Isso significa que um em cada quatro brasileiros está inadimplente ou deixou de pagar, pelo menos, uma de suas contas. E, agora, tem restrições comerciais ou de crédito, como mostram os dados do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) e da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL). Isso se reflete diretamente no consumo, diminuindo a atividade econômica em geral. Estatísticas do Banco Central (BC) também sinalizam que, nos últimos cinco anos, o número de brasileiros com dívidas superiores a R$ 5 mil passou de 10 milhões para 23 milhões. Nesse grupo de negativados, há muitos desempregados, mas também há aqueles que têm emprego fixo, mas perdeu poder de compra e se enrolou, principalmente com cartão de crédito.
Para a especialista em gestão, alguém angustiado por não conseguir pagar uma conta, com crédito bloqueado no banco, cheques devolvidos ou, ainda, pessoas telefonando para cobrar dívidas, perde tempo e concentração preciosos. “O profissional acaba tendo de resolver em dia útil e horário comercial, seja faltando no serviço, seja pensando em como administrar isso”, diz Camila.
Jogando junto
Foi isso que a Itatiaia Móveis detectou entre seu pessoal. A empresa que mantinha um programa de qualidade de vida acabou tendo de incluir educação financeira aos outros temas como saúde e bem estar. Outro sinal do problema foi o aumento do número de pedidos de empréstimos na cooperativa de crédito ao funcionário. “Mas quando um dos nossos melhores profissionais pediu para ser mandado embora para pegar a rescisão e quitar dívidas percebemos que a coisa estava pior do que imaginávamos. Ele não sabia o que ia fazer depois, desempregado. Só queria acabar com o problema que estava tirando seu sono”, diz a diretora administrativa da empresa, Fabíola Lopes, Cargnino.
Foi aí que a empresa resolveu incluir no “De bem com a Vida” palestras de educação financeira. E a adesão foi grande, especialmente no “chão de fábrica”. O segundo passo foi dar noções financeiras também para a família. “Percebemos que se não abríssemos para os familiares não daria certo e foi um sucesso tão grande que já ampliamos para as três plantas, duas em Minas e uma no Espirito Santo”, diz a diretora, acrescentando que o investimento foi irrisório perto do ganho que tiveram.
O nível de endividamento caiu, inclusive na cooperativa de crédito. O clima melhorou na empresa e, consequentemente, a produtividade subiu.
Para Camila, dar o suporte ao funcionário, como fez a Itatiaia, é tão ou mais importante que dar o recurso. “Educação financeiro é uma carência geral no Brasil e a orientação é importante, especialmente nas pequenas e médias empresas, que emprega muita gente”, diz.
Mas falar de dinheiro é um problema e muita gente acha que se falar de dinheiro com um endividado ele vai pedir algum, segundo a consultora, que têm entre as pequenas e medias empresas 70% dos seus clientes. “Eles não enxergam o benefício dessa ajuda e ainda está aprendendo com a dor.”
Fonte: Fenacon