Os últimos dias de abril costumam ser preocupantes para a maioria das empresas no Brasil.
Isso ocorre pois, ao final desse citado mês, esgota-se o prazo legal para realização da assembleia ou reunião ordinária de sócios, nas sociedades empresárias existentes (que devem ser realizadas nos quatro primeiros meses após o término do exercício social).
Referidas assembleias, por sua vez, devem deliberar sobre assuntos específicos como o balanço patrimonial e as contas dos administradores, cuja aprovação deve ser feita de forma criteriosa para evitar que os membros da administração se exonerem de responsabilidades.
Nas sociedades limitadas, no entanto, apesar da obrigatoriedade prevista em lei para realização da reunião (inciso I, do artigo 1.078 c/c inciso I, do artigo 1.071 do Código Civil Brasileiro), não parece existir essa preocupação, principalmente quando se analisa estatisticamente o quadro, cuja conclusão estima que aproximadamente 90% das empresas estatuídas, sob essa forma, nunca fizeram esse tipo de reunião.
Por outro lado, aventa-se que esse cenário sui generis é basicamente originado por dois motivos: primeiramente pela constatação de que a grande maioria dos sócios e administradores das sociedades limitadas simplesmente desconhece a obrigatoriedade legal, seja porque nunca ouviram falar, seja pela falta de orientação de seus prestadores de serviços, ou seja ainda porque realmente não acharam este assunto importante.
Além disso, temos também um fator cultural: as sociedades limitadas sempre foram consideradas, por aqueles que as escolhem como veículo de formalização de seus negócios, sociedades “descomplicadas”.
Muito dessa “fama” existe porque esse tipo de sociedade prescinde de maiores formalidades no seu dia a dia, tais como
– a não necessidade de publicar os seus balanços (com exceção das sociedades limitadas de grande porte, cuja obrigatoriedade de publicação dos balanços ainda é motivo de polêmica);
– a não necessidade, sob o viés prático, de convocação dos sócios para assembleia ou reunião (já que na maioria das sociedades limitadas consegue-se reunir, nesses eventos, a totalidade dos sócios, o que dispensa a convocação); ou, ainda,
– a não obrigatoriedade de estabelecer alguns órgãos sociais, como o Conselho de Administração e o Conselho Fiscal, cuja instalação poderia representar mais custos para a empresa.
E assim, nessa “descomplicação”, os sócios das sociedades limitadas acabam esquecendo que a realização da assembleia ou reunião ordinária, pela lei, é obrigatória, e a sua não realização pode trazer sérias consequências ao patrimônio dos sócios.
Mas que consequências seriam estas, uma vez que não existe uma previsão expressa de aplicação de penalidade pela não realização da assembleia ou reunião de sócios na sociedade limitada?
A resposta é enfática: a consequência imediata é a possibilidade de se requerer a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade em questão, alcançando os bens pessoais dos sócios.
E isso acontece pelo simples fato de que toda e qualquer sociedade empresária que deixa de praticar os atos societários previstos em lei, está em situação irregular, sendo que essa irregularidade, por sua vez, gera um contundente efeito: afasta a responsabilidade limitada dos sócios, passando esta a ser ilimitada, o que faz com que os sócios respondam, solidariamente com a sociedade, pelas suas respectivas dívidas sociais (assim como nas típicas sociedades irregulares “em comum”, não personificadas, que irremediavelmente imputam aos sócios a responsabilidade ilimitada).
Assim sendo, pode-se afirmar que, neste exato momento, aproximadamente 90% das sociedades limitadas no Brasil encontram-se em situação irregular, e o patrimônio pessoal dos seus respectivos sócios, portanto, ameaçado.
Nesse contexto, poder-se-ia entender que o pleito de qualquer credor da empresa, no sentido de alcançar os bens pessoais dos sócios nas diversas ações judiciais que estejam em curso perante a sociedade (como, por exemplo, as ações trabalhistas e as indenizatórias cíveis), seria plenamente cabível. Denota-se daí que a irregularidade societária da empresa sempre será inversamente proporcional à segurança jurídica do patrimônio dos sócios.
Não obstante, a solução, assim como o problema, também é bastante simples: basta formalizar uma reunião de sócios com o objetivo de aprovar as contas dos administradores, o balanço patrimonial e o de resultado econômico, relativos aos exercícios sociais passados em que isso não foi realizado (limitando-se, todavia, ao início da vigência do “Novo Código Civil”, no ano de 2003).
Feito isso, a respectiva ata societária dessa reunião, que deverá ser levada para arquivamento na Junta Comercial no prazo máximo de 20 dias, servirá como prova da regularidade da empresa.
A lição que fica diante desse “imbróglio” é a de jamais subestimar as formalidades, evitando assim, consequentemente, superestimar as informalidades.
(*) Rodrigo Brandão Fontoura é consultor jurídico, professor da Fundação Getúlio Vargas, sócio da F&F Consultoria Legal e Inteligência de Mercado, diretor corporativo da Associação de Integridade, Ética e Compliance (Abraecom).
Valor Econômico – 13/04/16