O preceito da legalidade fiscal está previsto na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 150, que trata das limitações do poder de tributar, e diz que “sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça; e instituir tratamento desigual entre os contribuintes”. Além de estar previsto na Carta Magna, o princípio da legalidade tributária consta também no Código Tributário Nacional – CTN, em seu artigo 97, que expressa que “somente a lei pode estabelecer a instituição de tributos, ou a sua extinção; a majoração de tributos, ou a sua redução, a definição do fato gerador da obrigação tributária principal, a fixação de alíquotas do tributo e da sua base de cálculo, a cominação de penalidades para as ações ou omissões contrárias a seus dispositivos, ou para outras infrações nela definidas, e as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades”.
Em entrevista ao Portal Dedução, o advogado do CSMV Advogados, Flávio de Haro Sanches, explica que, apesar de está prevista em lei, as ilegalidades tributárias vêm aumentando sobremaneira, e dá dicas para contadores, empresários e contribuintes, em geral, conseguirem a restituição dos tributos pagos a mais aos cofres públicos. Acompanhe:
Dentro da legislação tributária brasileira, são poucas as regras que protegem o contribuinte?
Se considerarmos a quantidade de normas jurídico tributárias pode parecer um número menor em termos percentuais. A questão é a relevância das normas, e neste sentido o contribuinte conta com boa proteção. Isso porque temos os princípios gerais do Direito Tributário seguido dos limites ao poder de tributar nos artigos 145 e seguintes da Constituição. Em termos infra-legais é comum encontrar, ainda, algumas proteções esparsas, como ocorre com o Código de Defesa do Contribuinte no Estado de São Paulo.
No mais, por ser um direito público, aplica-se bastante as regras do direito administrativo, em que de maneira geral são protegidos os contribuintes e o Poder Público.
É possível afirmar que as restituições de tributos pagos são, na maioria das vezes, oriundas de processos administrativos e judiciais, que buscam muitas vezes reverter um ônus gerado por um recolhimento de impostos a maios pagos pelas empresas?
Sim, restituição de tributo lida exatamente com tributo pago a maior ou indevidamente. Em algumas situações é preciso de um processo judicial para se reconhecer que algo foi pago indevidamente, do contrário um processo administrativo é o suficiente.
Recentemente, em uma decisão da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal – STF, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços – ICMS foi julgado como um valor a não compor a base de cálculo do PIS e da Cofins. Sendo assim, houve a exclusão do tributo da base de cálculo do PIS e da Cofins a um bloco de 25 processos embargados pela Fazenda Nacional. Qual sua opinião sobre essa decisão?
O sistema tributário vigente é antigo e vem sofrendo mutilações e reformas há décadas. O Poder Judiciário sempre foi chamado e não se furtou em, em algum momento, interpretar a lei e lhe dar o devido alcance constitucional. Normas inconstitucionais valem até que o Poder Judiciário a afaste. O racional do quanto decidido tratou de enfrentar a alegação de que dentre as receitas de um contribuinte não pode compor o ICMS destacado e que é recebido para ser posteriormente repassado ao Governo Estadual. Tal decisão teve uma lógica financeira bastante razoável, e é extremamente saldável que nossa carga tributária se limite a incidir sobre fatos geradores reais, de forma a não tirar a competitividade e pesar sobre uma economia já bastante sôfrega.
Esse tipo de situação é algo exclusivo da legislação brasileira, ou em outros países é comum que os contribuintes se sintam lesados e busquem na Justiça a devolução do dinheiro dos impostos que eles acreditam que foram recolhidos indevidamente?
Temos conhecimento de que isso ocorre sim em outros países, mas não é tão frequente quanto aqui. Da mesma forma como o fisco de outros países não autua as empresas na frequência e volume que verificamos no Brasil. Para se ter uma ideia, há estudos que demonstram que uma empresa em outras jurisdição tem em média passivo tributário da ordem de 10% do seu patrimônio. No Brasil chega a ser 90% do patrimônio comprometido. Importante salientar que um número considerável não se confirma e o passivo é bastante reduzido tanto na esfera administrativa como judicial. Dentre tantas outras razões, modernamente isso decorre também de práticas como o bônus para produtividade de agentes fiscais.
Por que, em sua opinião, no Brasil é tão difícil conseguir a restituição dos tributos pagos a mais?
Não vejo como algo específico da esfera tributária. Ainda que um simples pedido de restituição demore poucos meses em outros países e anos no Brasil, isso não é um problema apenas da área tributária. É o tempo que se costuma aguardar pelo desfecho de processos administrativos e judiciais em geral, sem contar na questão dos precatórios que igualmente atinge a todas as espécies de divida pública. Na questão do precatório aparentemente estamos vivendo um momento interessante, o uso vem sendo admitido aos poucos, o precatório federal costuma ser pago em aproximadamente quatro anos, de forma que o deságio vem caindo e o mercado deste ativo vem aumentando bastante.
Para a empresa, do ponto de vista financeiro, vale a pena esse tipo de disputa por seus direitos?
Uma empresa deve avaliar custo benefício, ou seja, quanto vai investir para recuperar o quê, e em quanto tempo. Em geral, a depender dos honorários combinados com os advogados, e a estratégia que se adota para evitar riscos, é bastante válido sim. Os riscos derivam de estratégias mais arrojadas que podem criar passivos e isso deve ser mensurado.
Quando falamos de “impostos indiretos”, uma batalha judicial pode ser mais complicada, uma vez que o artigo 166 do Código Tributário Nacional – CTN diz que “o encargo tributário deve ser substituído a quem o suportou”. Isso é uma espécie de proteção aos cofres públicos?
A questão da repercussão econômica da cadeia busca evitar um enriquecimento indevido, na lógica de que se alguém arcou por aquele tributo, não se justifica aquele que tenha recolhido com suporte financeiro de outrem vir a receber o tributo de volta. De certa forma é correto, e inclusive também se prevê que, com a anuência de quem tenha suportado, daria para fazer a solicitação. O bom é que esta norma não tem sido levada ao extremo, e mesmo a conceituação de tributo direto ou indireto não tem sido o fiel da balança. Na prática é mais o ICMS que vem destacado na nota que tem este tipo de restrição a ser avaliada e pensada no caso concreto.
Em alguns Estados hoje pode ocorrer a suspensão da inscrição estadual de um contribuinte inadimplente de ICMS, por exemplo. Além disso, pela falta de pagamento do tributo, os sócios podem ser responsabilizados. O senhor acredita que, nestes casos, a empresa pode estar sendo privada do livre exercício de sua atividade econômica, de acordo com o artigo 170 da Constituição Federal?
De uma forma geral sim. Tributos têm meios próprios de serem cobrados. A ineficiência dos processos de execução fiscal levaram às medidas protetivas de alguns estados da federação e à tentativa de se cobrar os sócios pelos tributos da empresa. O Poder Judiciário tem enfrentado estas questões. A cobrança de sócios e administradores desconsiderando a personalidade jurídica tem sido restringida às hipóteses do artigo 135 do CTN, ou seja, quando se infringe o contrato social, comete excessos e especialmente com a dissolução irregular. A suspensão da inscrição estadual para devedores contumazes já é algo que depende de uma análise casual. Eu acredito que uma situação em que claramente a empresa tenha se tornado insolvente é preciso proteger o próprio contribuinte para que ele não aprofunde seu estado econômico desastroso, e obviamente que o estado se protege também.
O que o senhor recomenda aos contribuintes para que não sejam penalizados indevidamente?
Os contribuintes devem ter um bom compliance e gestão através de profissionais competentes. Isso pode ser feito internamente ou por externos, e não se limita a atuação de advogado. Ou seja, preventivamente ter uma equipe responsável pelo pagamento racional de tributos. Esta equipe atualmente tem se formado por profissionais de diferentes áreas, mas invariavelmente por advogados, contadores e TI.
Fonte: spednews