Como um microempreendedor individual (MEI) ou uma micro e pequena empresa (MPE) podem maximizar o retorno financeiro, assegurar a longevidade do negócio e gerar valor para clientes, funcionários, público estratégico e os demais stakeholders? E, ainda, garantir uma conduta ética, transparente e responsável? Implantando a governança corporativa.
É o que afirma o professor e especialista Roberto Sousa Gonzalez, autor do livro “Governança Corporativa – O Poder de Transformação das Empresas” (Trevisan Editora, 2012), que palestrou sobre o assunto na reunião do Conselho de Orientação e Serviços (COS), da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), na última sexta-feira (17).
Ao dizer que “é uma falácia” achar que governança só vale para grandes corporações ou empresas listadas na Bolsa, Gonzalez foi ao cerne da questão, explicando que o termo tem origem no ato de governar – ou seja, de ter capacidade de exercer domínio ou controle.
No caso, sobre os negócios. “Quando se implanta, o problema sempre é o custo. Mas em alguns meses vem o retorno”, contou, citando dois irmãos donos de um pequeno negócio que pularam de um faturamento de R$ 2 milhões para R$ 9 milhões após adotarem essas práticas.
Dados do Sebrae de janeiro último apontam que a taxa de mortalidade em até cinco anos é de 29,1% para MEIs, e de 21,6% pra micro e pequenas empresas. Portanto, para reverter essas estatísticas, o ideal é qualquer empreendimento se preparar para trilhar o caminho da governança, seja uma livraria, uma floricultura, uma peixaria ou uma sacoleira de moda.
“Eu sempre digo que o pequeno empreendedor ‘baixa a porta de ferro’ no fim do dia tão cansado que não quer mais saber de nada. Mas e o amanhã, e o depois, e cinco anos à frente, e dez?” questionou. “Acompanhar as tendências e ter estratégia é para qualquer negócio.”
Da definição de tomada de decisões até a formação de um Conselho Consultivo, veja os cinco pontos que o especialista destaca para o pequeno empresário implantar a governança corporativa, e assim conseguir alavancar o seu empreendimento de forma perene:
1 – DEFINA QUEM É O TOMADOR DE DECISÕES
Suponha que o pequeno negócio tenha mais de um sócio, pseudo-sócios (que só empresta o nome para compor a sociedade, ou agregados da família que não são necessariamente parte ativa da empresa) ou se prepara para ter um investidor.
Quando duas ou mais opiniões divergem, é conflito na certa. Por isso é recomendável que, antes de mais nada, esteja decidido entre os envolvidos quem deve “bater o martelo.”
Discordâncias, quando passam de um limite saudável, podem paralisar uma empresa, diz Gonzalez. “Se isso ocorre, ela pode perder tempo de mercado – e, consequentemente, vantagem competitiva”, completa.
Se esse pequeno negócio está se preparando para receber um potencial investidor, pode até perder o aporte se não tiver essa questão definida e bem organizada.
Principalmente na empresa familiar, onde atuam irmãos, casais ou pais e filhos. “Senão, o que foi feito de segunda a sexta pode ser destruído no almoço de domingo”, alerta Gonzalez, citando a máxima do economista e ex-ministro da Fazenda Luiz Carlos Bresser Pereira.
Por isso, cabe ao sócio definido como o tomador de decisão dar a palavra final, e delegar as atribuições pertinentes aos demais sócios-diretores, se existirem. “O pior cenário do mundo é quando os sócios não conversam, e uma empresa parece várias”, alerta.
2 – ESTABELEÇA UMA ESTRUTURA HIERÁRQUICA
É comum em um pequeno ou médio negócio, em processo de crescimento, que existam profissionais que exerçam mais de um tipo de função com líderes diferentes.
Porém, se ele receber demandas de vários lados, a capacidade de entrega desse colaborador é potencialmente comprometida, explica o especialista. “Deve ficar claro quem é seu líder direto, a quem deve se reportar, para que ele possa alinhar suas atividades e definir prioridades.”
Também é comum ter dois chefes membros da família, e quem manda tem que deixar claro o nível de prioridade. “Se o colaborador recebe duas ordens ao mesmo tempo, vai aparecer um ponto nevrálgico, por isso é preciso saber quem manda nesse processo”, completa.
3 – ORGANIZAÇÃO DOCUMENTAL EM DIA
Quanto mais a MPE cresce, mais informações e dados ela processa – e junto aumenta a prestação de contas. Organizar quais relatórios precisam ser elaborados, por quem, para quem e em que datas pode poupar dor de cabeça para as MPEs.
Se em algum momento o pequeno negócio precisar contar com uma auditoria externa independente e tiver um parecer sem ressalvas quanto à organização e às contas da empresa, também terá melhor relacionamento bancário – o que facilita a tomada de crédito, quando preciso. “Manter a casa arrumada é importante para crescer de forma sustentável”, diz.
Importante: Gonzalez reforça que não é necessário colocar processos demais, e os próprios diretores ou até seu conselho, se tiver, devem perguntar sobre a relevância de cada documento. “Ou o resultado é uma pilha de relatórios que ninguém lê.”
4 – REUNIÕES (SEMPRE) EM PAUTA
Vender, vender, vender… A expressão é praticamente um mantra para manter a pequena empresa de pé, e como muitas vezes o negócio e o empreendedor quase se confundem, é comum a percepção por parte deles de que parar para fazer reunião é perda de tempo.
“É preciso dialogar regularmente com sua equipe mais direta, para que todos estejam alinhados sobre o rumo da empresa”, afirma Gonzalez. “Não faz sentido ter controle se o reporte de acontecimentos não é feito com certa frequência, em momentos formais.”
Dentro da governança, vale definir quais reuniões são necessárias, com que periodicidade e quem participa de cada uma. Elas devem ser registradas em atas claras, estabelecendo responsáveis finais para fazer o acompanhamento e cobrança do que foi discutido.
Nos Estados Unidos existe a figura do “voluntário empresarial”, ou seja, alguém de mercado que atua como conselheiro ou orientador para alavancar pequenos empreendedores. “O Google (que nasceu como uma pequena startup), cresceu por causa dessa ajuda”, conta.
Mas, como no Brasil isso não existe, naqueles casos em que “a empresa sou eu” – como um MEI, por exemplo -, vale ter encontros regulares com amigos empresários, que passam por situações semelhantes, para trocar ideias, e com possíveis mentores para pedir conselhos.
“E nem vai sair caro: conversa na amizade, paga um almoço, um jantar, mas informe o tema ou a problemática com antecedência para todo mundo ir preparado. Quem sabe daí nasce o futuro Conselho Consultivo de seu negócio?”, destaca.
5 – A IMPORTÂNCIA DO CONSELHO CONSULTIVO
O próprio nome já diz para que serve, mas não confunda com Conselho de Administração, que pode ser um passo seguinte no crescimento da MPE, explica o especialista.
“Desde sempre vale a pena o empreendedor ter mentores. Se rodear de gente experiente, que já passou pelos desafios que você passa, às vezes é mais valioso que um aporte de capital”.
Por isso é aconselhável combinar com um grupo fixo, geralmente de duas a quatro pessoas com diferentes perfis, quem participa dessas reuniões, com que frequência, e que informações devem ser compartilhadas, orienta Gonzalez.
Como exemplo de agenda para a primeira reunião, o especialista indica definir o papel do Conselho, apresentação da história da empresa, se tem Missão, Visão e Valores e o porquê, prestação de contas (período), realidade da operação (síntese) e sugestão de agenda temática. E, mesmo sendo um órgão de aconselhamento sem deliberação, é recomendável que sua composição esteja no contrato ou Estatuto Social – inclusive com a periodicidade de suas reuniões.
Além de profissionalizar a gestão, a ideia do Conselho Consultivo é fazer com que o pequeno negócio tenha sempre em mente as melhores práticas para administrar a empresa, afirma.
Estabelecer esse Conselho ajudará a ampliar o networking no mercado, além de melhorar seu relacionamento com diversos públicos – como instituições financeiras, por exemplo, diz Gonzalez. Passado algum tempo, sua transformação em Conselho Administrativo é algo natural e espontâneo, seguido pela alteração no estatuto e organograma do negócio.
“Uma pequena empresa que começa em uma garagem pode virar uma grande empresa – caso da ‘padaria de esquina’ que hoje é o GPA, ou Grupo Pão de Açúcar”, conta. “Mas o caminho para chegar nisso parte de um Conselho Consultivo”, finaliza.
SOBRE O PALESTRANTE:
Pós-graduado em Mercado de Capitais, Roberto S.Gonzalez é sócio da BluCompass, especializada em projetos de Governança Corporativa e Sustentabilidade – inclusive para MPEs e startups. É membro do conselho do Fundo Ethical da Santander Asset Management, que utiliza critérios de Governança para compor sua carteira de investimentos, e é consultor de Governança da Fundação José Luiz Egydio Setúbal e do Hospital Infantil Sabará.
Faz parte do conselho de diversas empresas, e atuou como professor nos cursos “Formação de Conselheiros”, do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC). Também foi um dos idealizadores do ISE – Índice de Sustentabilidade Empresarial da B3.
Fonte: Portal Contabil