Nesse contexto, surge a Lei 11.638/07 e Lei nº 11.941/09 cujo objetivo foi oferecer não apenas uma mudança na estrutura das demonstrações contábeis, mas buscar uma maior confiança dos investidores e analistas que vêem, na arcaica contabilidade nacional, uma das justificativas para aplicar um desconto nos preços das ações de companhias brasileiras em relação às concorrentes de outros países.
Mas toda mudança tem seus dois lados. O que realmente significa adotar um modelo de contabilidade internacional? Qual é o seu impacto? Chegar-se-á a uma maior confiabilidade como se espera? São tantas as perguntas que, de modo algum, têm-se a pretensão de abordá-las em sua totalidade somente neste artigo.
Tomando como norte a estrutura de elaboração e apresentação das Demonstrações Financeiras com base nas normas internacionais (IFRS) das companhias abertas que já fizeram suas publicações em 2008 e 2009 far-se-á uma análise crítica a fim de verificar se houve o avanço esperado. Desta forma, primeiramente cito:
1. Pelo IASB (Conselho de Normas Contábeis Internacionais) o objetivo das demonstrações financeiras é prestar informações sobre a situação patrimonial de uma entidade, seu desempenho, as origens e aplicações de seus recursos enfim, tudo que for útil para um vasto leque de usuários responsáveis por tomar decisões econômicas destacando quatro características qualitativas principais: inteligibilidade, relevância, confiabilidade e comparabilidade;
2. Acrescenta-se a observância do Regime de Competência e Continuidade;
3. Os elementos que compõem as Demonstrações Financeiras são: Balanço Patrimonial, a Demonstração de Resultado, a Demonstração de Fluxo de Caixa, as Informações por segmento de negócio, as notas e as divulgações;
4. Os princípios de avaliação dos elementos das demonstrações financeiras em IFRS são: valor justo, custo histórico, custo amortizado e valor realizável;
5. A Medida Provisória 449/08 garantiu efeito fiscal nulo após a adesão aos IFRS;
6. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) tornou regra diversos pareceres do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC), entre eles os que dispõem sobre a contabilização das stocks options (usadas como mecanismo para remuneração de executivos), o teste de valor recuperável de ativos, conhecido como impairment alem de exigir informações mais abrangentes sobre os instrumentos derivativos.
Observa-se aqui que todas as mudanças estruturais fazem uma ruptura da contabilidade realizada para atendimento ao fisco para agora atender a sociedade dos “stakeholders”. Deixa de ter o enfoque meramente fiscal para atender aos diferentes colaboradores envolvidos nas atividades empresariais, sejam eles no âmbito interno ou externo. Têm mais transparência e deixa de ser estática para se tornar dinâmica.
Na visão dessa abordagem, toda a gestão empresarial estará voltada para o futuro. Na verdade, o novo modelo contábil de representação da realidade deve estar perenemente preocupado com o desdobramento futuro dos FCA (fatores críticos ambientais) (Grant, 1991). e com o futuro que está sendo “moldado” através das decisões atuais.
Contudo, o cenário é de apreensão. Os impactos da adoção do IFRS são profundos em algumas companhias brasileiras e vêm tirando o sono de muitos diretores financeiros, controllers e analistas. A mudança de critério voltado à essência econômica e demonstração de fato do patrimônio da Entidade causou e causará distorções nos Balanços de diversas empresas.
Exemplo disso diz respeito à contabilização de ativos nos contratos de concessão (impactos negativos nos balanços de operadoras de telefonia, administradoras de rodovias, setor pretolífero e setor elétrico).
Pela regra do International Accounting Standards Board (Iasb), órgão responsável pela edição dos IFRS, as concessionárias não podem contabilizar seus Ativos Imobilizados no Balanço Patrimonial por entender que a companhia não é “dona do bem” que será devolvido ao órgão regulador, no fim do contrato de concessão.
Outro exemplo está no setor imobiliário. Pelos IFRS a receita só poderá ser reconhecida na entrega do imóvel e não na venda (prática adotada pelas construtoras aqui no Brasil).
No setor de mineração, podemos citar que a CVRD vem tentando fazer uma transição gradual. Desde o primeiro semestre de 2008 vem informando quais variações seu lucro trimestral sofreria se já estivesse aplicando a nova regra sobre as variações cambiais dos investimentos no exterior. A Siderúrgica GERDAU já usa os IFRS como base de cálculo do lucro líquido para pagamento dos dividendos.
Esses são alguns exemplos das dificuldades encontradas desde a edição da Lei. O que fazer? Ignorar a norma (o que já não é possível já neste exercício de 2010); adotá-la parcialmente ou publicar seus Balanços com longas notas explicativas, correndo o risco de não se fazer entender pelo mercado e ser penalizado com a queda de suas ações? Bem, como Controller sugiro:
1. Antes de tudo, é necessário aprofundar os estudos para familiarização com o novo padrão;
2. Todos os critérios de avaliação / contabilização de derivativos, investimentos precisam ser bem analisados sob o ponto de vista dos impactos no desempenho da empresa e suas contas;
3. Até a obtenção de uma sustentabilidade das informações em IFRS, preparar e elaborar as demonstrações sob as duas formas, identificando e quantificando as diferenças contábeis e a avaliação/impactos ocorridos.
Conclusão
Este artigo teve como objetivo analisar os impactos ocorridos nas companhias abertas com a adoção do IFRS. Para isso, tratou-se de obter evidências bibliográficas a partir dos demonstrativos financeiros publicados nos exercícios sociais de 2008 e 2009.
Vimos que, sem dúvida alguma, a adoção do IFRS permitirá uma avaliação do resultado econômico e não apenas financeiro. Trará uma maior compreensão sobre o resultado por segmento, sobre a avaliação de desempenho da Companhia além de capacitar os analistas sobre a continuidade/perpetuidade da empresa. Coloca a estratégia e a visão de futuro no centro das atenções.
Contudo, os impactos oferecidos pela Lei 11.638/07 e Lei 11.941/09 são amplos. A adoção destes princípios não é nada simples e requer dos contabilistas, gestores, analistas e da sociedade um esforço para que sua implementação obtenha sucesso, minimizando futuros transtornos e/ou riscos. Mudanças na cultura organizacional, no planejamento estratégico, são alguns exemplos necessários para que a normatização não seja um modismo passageiro.
Bibliografia
BRASIL. Lei nº 11.638, de 28 de dezembro de 2007, Altera e revoga dispositivos da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, e da Lei 6.385, de 07 de dezembro de 1976, e estende às sociedades de grande porte disposições relativas à elaboração e divulgação de demonstrações financeiras. Diário Oficial (da) Republica Federativa do Brasil, Brasília, DF, Edição Extra.
BRASIL. Lei nº 11.941 de 27 de maio de 2009, Altera a legislação tributária federal relativa ao parcelamento ordinário de débitos tributários; concede remissão nos casos em que especifica; institui regime tributário de transição, alterando o Decreto nº 70.235, de 06 de março de 1972 e dá outras providências. Diário Oficial (da) Republica Federativa do Brasil, Brasília, DF.
COMITÊ DE PRONUNCIAMENTOS CONTÁBEIS, Pronunciamento Contábil 13, Adoção inicial da Lei nº 11.638/09 e da Medida Provisória nº 449/08. Disponível em www.cpc.org.br
COMITÊ Internacional anuncia IFRS para pequenas e médias companhias. Ibracon (noticias), São Paulo, 10 de julho de 2009. Disponível em http://www.ibr
acon.com.br/noticiais/news.asp?identificador=3449.
Grant, R.M, Contemporary Strategy Analysis, Brasil Blackwell, 1991.
SÁ, A. L. Contabilidade Geral. Cia. Editora Nacional. São Paulo. 1966.
Juliana Rodrigues de Souza – Especialista em Controladoria e Finanças pela PUC/MG, Professora Assistente da Disciplina Análise Contábil e Teoria da Contabilidade no Curso de Ciências Contábeis da Faculdade Interativa COC, Perita Judicial e Consultora Contábil.
Fonte: Contabilidade na TV