Por Thyago Pereira Trairi
No fim de 2005, a Lei 11.196 injetou ânimo nos contribuintes ao prever uma nova modalidade de isenção tributária. Como corolário da famigerada “MP do Bem”, que previa uma série de incentivos fiscais, a medida visava precipuamente dinamizar o mercado imobiliário no Brasil.
Ficou ali estabelecido que o ganho auferido na venda de imóveis residenciais fica isento do imposto de renda, desde que o alienante, no prazo de 180 dias contado da celebração do contrato, aplique o produto da venda na aquisição de imóveis residenciais localizados no país.
Tão logo entrou a referida lei em vigor, todavia, a Receita Federal (RFB) tratou de regulamentar esse dispositivo por meio da IN SRF 599, de 2005. Em flagrante violação de sua esfera de competência, reduziu substancialmente os efeitos da isenção ao dispor que esse benefício fiscal não se aplica à hipótese de venda de imóvel residencial com o objetivo de quitar, total ou parcialmente, débito remanescente de aquisição a prazo ou à prestação de imóvel residencial já possuído pelo alienante.
Seguindo-se à risca o entendimento da Receita, a isenção tem seu alcance de tal forma reduzido que perde sua utilidade
Segundo, destarte, o entendimento da RFB, o contribuinte somente gozará do benefício caso primeiro venda o imóvel para, em seguida, dentro do espaço temporal de 180 dias, adquirir outro novo imóvel.
Ocorre, porém, que tais requisitos não estão previstos na lei, tratando-se, portanto, de inovação legislativa por parte da RFB, o que é constitucionalmente vedado pelo princípio fundamental da separação de poderes e, por conseguinte, pelo princípio da legalidade estrita. Os limites da isenção somente podem ser estabelecidos por lei e jamais por mero ato interpretativo de órgão do Poder Executivo.
Foi isso que pretendeu expressar o legislador com o art. 111 do Código Tributário Nacional, ao dispor que se deve interpretar literalmente a legislação tributária que disponha sobre outorga de isenção.
Nesses termos, não cabe à Receita Federal interpretar o dispositivo nem de forma ampliativa nem restritiva, tampouco empregar qualquer forma de integração como analogia ou equidade.
Seguindo-se à risca o entendimento da RFB, a norma isentiva tem seu alcance de tal forma reduzido que chega mesmo a perder sua utilidade. Qualquer indivíduo com um mínimo de experiência no mercado imobiliário sabe da dificuldade que se teria para vender um imóvel e comprar outro no curto intervalo de seis meses, pois as transações imobiliárias costumam contemplar inúmeras fases: negocial, financeira, burocrática cartorial, pagamento de impostos, lavratura de escritura pública, registro em cartório etc.
Em muitos casos, o contribuinte só decide vender seu imóvel quando se depara com uma ótima oportunidade de negócio, após meses de procura, sendo, por óbvio, imprescindível, para ele, a assinatura do contrato a fim de garantir as condições inicialmente ofertadas.
Todavia, o fato de seu imóvel ser vendido em data posterior àquela aquisição, não tem, nos termos da Lei 11.196, o condão de afastar a aplicação da norma isentiva, desde que, no prazo de 180 dias contados da celebração do contrato, o alienante aplique o produto dessa venda na aquisição de outro imóvel.
Percebe-se, assim, que o verbo nuclear da hipótese normativa não foi “adquirir”, mas sim “aplicar na aquisição”. Não disse o legislador que, no prazo de 180 dias, o alienante deve adquirir novo imóvel. A diferença é sutil, porém de máxima relevância.
Em outras palavras, a norma de isenção da lei 11.196 não exige que o produto da venda do imóvel só seja aplicado na aquisição de imóvel posteriormente à venda. Essa interpretação restritiva é da Receita Federal, e não do legislador.
Ao levarmos em conta que, nos últimos cinco anos, o Brasil experimentou a maior valorização imobiliária do mundo (dados do Banco Central), é fácil imaginar a voracidade do Fisco para “abocanhar” uma boa fatia desses ganhos de capital.
Não é admissível, contudo, que em uma República Federativa como o Brasil, estribada no princípio da separação de poderes, em decorrência do qual exsurge o princípio da legalidade estrita em matéria tributária, assistamos inertes a violações dessa natureza, caracterizadas por atribuir ao legislador palavras que este jamais proferiu, induzindo milhões de contribuintes ao erro.
Somente a partir de 2013 conseguimos encontrar um conjunto de precedentes judiciais a favor dos contribuintes nos Tribunais. É possível, inclusive, encontrar casos em que o Ministério Público Federal opina contra o Fisco. Eis aí a relevância do assunto para os dias de hoje.
Ainda que no futuro a RFB venha a reformar seu entendimento, parece-nos que as chagas dessa injustiça jamais cicatrizarão, afinal, no período de 2006 a 2014, decerto que inúmeros contribuintes, na dúvida entre seguir o que diz a lei e o que entende a Receita Federal, optaram por recolher o tributo (indevidamente).
Thyago Pereira Trairi é advogado em São Paulo, bacharel em direito pela USP
Fonte: http://www.noticiasfiscais.com.br/
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