A Medida Provisória 627, de 12 de novembro de 2013, entra nessa seara como uma necessidade. Elaborado com o objetivo de ajustar as regras contábeis ao entendimento legal, o texto é aguardado há cinco anos, mas ainda depende de avaliações e ajustes, devendo ser convertido em lei apenas no primeiro trimestre de 2014.
Mesmo com prazo para análises mais aprofundadas, a medida já tem suscitado debates. A amplitude das transformações contábeis abarcadas pela MP faz com a que o texto também se torne abrangente. Como consequência, a MP 627/13 foi alvo de 500 emendas e ainda pode mudar muito até que seja sancionada como lei. “A complexidade e as peculiaridades do novo modelo de legislação proposta, digo isso por conta das emendas e da conversão definitiva da MP em lei, suscitam dúvidas e uma infinidade de problemas para os contabilistas, advogados e principalmente para as empresas”, destaca o advogado e diretor tributário da Associação Nacional dos Executivos de Finanças e Contabilidade (Anefac), Demes Britto.
Britto sugere às empresas atenção no sentido de acompanhar minuciosamente as alterações e particularidades das novas regras “É fundamental que se faça uma análise criteriosa sobre a tributação aplicável”.
Principais pontos da medida
Ágio
O ágio, que já foi objeto de discussão no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), no texto da MP passa a ser considerado o valor de compra da participação societária (custo da aquisição) e ficadividido em três itens:
1- Valor patrimonial da participação adquirida.
2 – Por mais ou menos valia, sendo a diferença entre o valor justo dos ativos líquidos da investida na proporção da porcentagem da participação do valor patrimonial adquirido.
3 – Pela rentabilidade futura goodwill ou pela compra vantajosa, correlaciona-se pela diferença entre o custo de aquisição e a soma do valor patrimonial adquirido pela diferença entre o valor justo dos ativos líquidos da investida na porcentagem da participação adquirida.
Desta forma, a diferença entre o custo de aquisição e o valor patrimonial da participação societária adquirida passa ser alocada, para mais ou menos valia, de modo que os ativos passam do valor residual passam a ser classificados com ágio por rentabilidade futura ou ganho por compra vantajosa.
Lucros e dividendos
O texto da MP, ao tratar dos lucros e dividendos, estabelece que os resultados apurados entre 1 de janeiro de 2008 e 31 de dezembro de 2013 pagos até 12 de novembro de 2013, em valores superiores aos métodos contábeis vigentes até 31 de dezembro de 2007, não serão sujeitos à incidência do imposto sobre a renda na fonte, tampouco integrarão a base de cálculo do IRPJ e da CSLL do contribuinte beneficiário, pessoa jurídica ou física, residente ou domiciliado no País ou no exterior.
PIS e Cofins
A nova redação da Lei 9.718/1998, instituída pela MP, veda a exclusão da base de cálculo do PIS e da Cofins, do regime cumulativo, de receitas decorrentes de equivalência patrimonial.
A MP revogou ainda a permissão de exclusão da receita bruta das contribuições do PIS e da Cofins pelo regime cumulativo. Ou seja, a receita decorrente da venda de bens do ativo permanente e que tenha transferência onerosa a terceiros (contribuinte distinto) como créditos acumulados de ICMS (exportação) passam a ser tributados pelo PIS/Cofins (regime cumulativo) a partir de 1 de janeiro de 2015 ou a partir de 1 de janeiro de 2014.
Pessoa Física
Quanto aos lucros auferidos no exterior, o texto da MP traz impacto na tributação das pessoas físicas com investimentos no exterior tax haven (paraísos fiscais). O texto determina que os contribuintes passem a recolher o imposto sobre a renda no final de cada ano, independentemente da disponibilização do lucro.
Texto depende de acertos até ser convertido em lei
Apesar das emendas e das mudanças que ainda podem ocorrer no texto da MP 627/13, a proposta é vista como positiva por especialistas do setor. Altair Toledo, sócio da área de impostos da KPMG no Brasil, destaca dois grandes avanços promovidos pela medida: a adequação da legislação tributária à legislação societária e às normas contábeis, com o consequente fim do Regime Tributário de Transição (RTT), e o alinhamento, ainda que parcial, da tributação dos lucros do exterior à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.588.
Apesar dos avanços, há pontos ainda indefinidos, lembra Toledo, que destaca a questão da receita de notas emitidas e não entregues (quando não houve a transferência do risco). “A nossa leitura é que, para fins fiscais, deve-se seguir a regra contábil de reconhecimento de receita, mas isso não está tão claro na MP e, possivelmente, poderá haver problemas na hora de preencher a EFD-Contribuições.” Outro aspecto indefinido, explica Toledo, é relativo aos dividendos referentes ao ano de 2013 que forem pagos depois da publicação da MP, já que a MP trouxe o benefício da não tributação especificamente para os dividendos efetivamente pagos até a data de publicação da MP.
O sócio da KPMG reforça que um outro ponto importante é o que trata da dedutibilidade do ágio, em caso de incorporação. “A MP falou do ‘saldo existente na contabilidade, na data do evento’ (cisão/incorporação). Ocorre que pode haver variação no referido saldo entre a data de aquisição e a data de incorporação e, dessa forma, ficou a dúvida sobre o tratamento fiscal do ágio eventualmente baixado na contabilidade nesse período.” Sobre as ainda incertas aplicações da medida, o advogado Heron Charneski salienta que eventuais alterações não devem prejudicar empresas que optaram por aplicar as regras a partir de 2014.
Empresas podem aderir ao novo regime a partir de 2014
Até o fim de 2013, a MP 627 deve ser regulamentada, a fim de permitir que empresas adotem as regras estabelecidas a partir de 1 de janeiro de 2014. O advogado Heron Charneski explica que as obrigações previstas no texto serão obrigatórias a partir de 2015, mas que empresas que se anteciparem podem ser beneficiadas. Por outro lado, ele pondera que é necessário observar pontos críticos do texto antes de fazer a opção. De acordo com ele, para quem optar pela medida no próximo ano, fica assegurada a isenção dos lucros ou dividendos calculados com base nos resultados apurados entre 1 de janeiro de 2008 e 31 de dezembro de 2013, em valores superiores aos apurados com observância dos métodos e critérios contábeis vigentes em 31 de dezembro de 2007.
Apesar da importância da garantia, Charneski destaca uma particularidade: “O texto da MP assegura a isenção tributária apenas para os dividendos ‘efetivamente pagos até a data de publicação da medida’ (11 de novembro de 2013). “Devido a essa limitação, ainda que a empresa já faça a opção, os dividendos calculados com base nos resultados contábeis de 2013, e que vierem a ser pagos a partir da aprovação das assembleias em 2014 somente estarão alcançados por isenção até o limite dos lucros de 2013 apurados segundo os critérios de 31 de dezembro de 2007.
Segundo o advogado, outro aspecto crítico diz respeito a empresas com reorganizações societárias em curso. Se optarem pela MP 627 já em 2014, estarão sujeitas a regras mais restritivas de aproveitamento do ágio gerado na substituição de participações societárias em razão de incorporações e fusões. De outro lado, caso deixem para 2015 a opção, a regulamentação ainda não definiu como será a forma de escrituração e de entrega de obrigações acessórias à Receita Federal, podendo tornar os custos de conformidade mais caros para as empresas até a transição. Algumas normas contábeis internacionais importantes, como as que tratam de estoques (CPC 16) e receitas (CPC 30), não tiveram seus reflexos tributários detalhados na MP 627, o que poderá gerar conflitos de aplicação, lembra Charneski. Mas a medida ainda deverá passar por emendas e debate no Congresso Nacional até ser convertida em lei.
Por : Marina Schmidt
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