O planejamento sucessório consiste na detida reflexão e posterior implementação, por parte da pessoa natural interessada na sua própria sucessão, a partir da qual estabelece os critérios de partilha dos seus bens entre seus herdeiros, para evitar discussões entre herdeiros e para minimizar os custos no processo de inventário.
Pode ser realizado de várias formas, sendo umas mais eficazes do que outras, porque, além de envolver uma partilha antecipada dos bens do interessado, também reduz a carga tributária a ser enfrentada pelos herdeiros do falecido.
Assim, as opções para o planejamento sucessório, no Brasil, seriam, por exemplo: a lavratura de uma escritura pública de testamento; a contratação de seguro; a contratação de previdência privada; a constituição de sociedade holding familiar patrimonial, administradora de bens havidos pelo autor da herança; a doação de bens em vida, inclusive por doação apenas de parte do bem, ou seja, da sua nua propriedade, com a reserva de usufruto em favor do autor da herança. No exterior, ainda há a possibilidade de constituição de um trust no exterior; dentre outras formas, estabelecidas livremente pelo autor da herança.
Constituição de sociedade do tipo holding familiar
Trata-se de uma sociedade constituída com o objetivo de deter participação em outras sociedades ou em investimentos, tais como imóveis ou aplicações financeiras, que compõem o patrimônio pessoal dos seus fundadores: sócios (se constituída uma sociedade de responsabilidade limitada) ou acionistas (se constituída uma sociedade anônima).
A sociedade holding familiar é uma sociedade criada pelo autor da herança para a organização e garantia da maior eficácia e rentabilidade da administração do seu patrimônio, bem como para fins de sucessão.
Ela é constituída, costumeiramente, por casais que detém bens em comum e desejam conceder uma forma de gestão única e mais eficaz e rentável à administração dos seus bens em vida, e facilitar a sucessão de um e de outro, em favor do sobrevivente, e depois, em favor dos respectivos filhos, ou de outros herdeiros.
Desse modo, proporciona-se uma distribuição de sua herança para o cônjuge sobrevivente (parte disponível dos seus bens) e para os seus herdeiros necessários, quais sejam, cônjuge (dependendo do regime de bens do casamento), descendentes e ascendentes (parte indisponível de seus bens), por exemplo, através da transmissão sucessória da participação societária detida no capital da sociedade, podendo ser estabelecido que o controle decisório da sociedade seja exercido pelo cônjuge sobrevivente, na falta do outro, e que as quotas dos filhos herdeiros não tenham direito a voto.
A criação da sociedade holding familiar patrimonial evita litígios entre os herdeiros, dado que eles se submetem às regras estabelecidas pelo respectivo documento de constituição e pelo acordo celebrado entre os detentores de participação no capital social (sócios ou acionistas, conforme for o caso).
A harmonia interna, certamente, favorece a administração da sociedade e a sua lucratividade, o que reverte de forma positiva para todos os detentores de participação societária, estimulando a boa convivência na sociedade.
A gestão da sociedade costuma ser mantida pelos seus fundadores até o falecimento deles. A forma de administração da sociedade será definida no respectivo documento de constituição
Para manter o poder de controle da sociedade, os fundadores dela devem celebrar um acordo (de quotistas ou de acionistas) com os demais titulares de participação societária.
Além disso, cabe ao sócio fundador da holding, o autor da herança, implantar o código de ética da empresa e as regras da governança corporativa, que envolve a transparência na administração social, o que, por sí só, já previne disputas internas entre os detentores de participação social, os herdeiros do sócio fundador, após seu falecimento.
A proteção patrimonial da holding é outra questão a ser ressaltada: a autonomia do patrimônio havido pela holding e pelo seu sócio fundador enseja a separação patrimonial entre os bens da família do sócio fundador e os bens da sociedade holding.
Assim, eventuais dívidas da empresa não atingirão os demais bens particulares dos sócios, salvo os casos de desconsideração da personalidade jurídica da sociedade, por conta de fraude cometida pelos respectivos sócios, caso em que eles se tornam pessoalmente responsáveis pelos danos causados à sociedade.
Se os cônjuges constituírem uma sociedade limitada em que cada um detenha 50% do valor do capital social, e se cada um lavrar seu testamento, estabelecendo que o cônjuge sobrevivente receberá a parte disponível das quotas do falecido, os herdeiros necessários, quando do falecimento de qualquer dos cônjuges (em cujo conceito inclui-se o cônjuge se casado sob o regime da comunhão parcial de bens ou da separação convencional) ingressariam na sociedade, e passariam a deter parte reduzida do capital social, de modo que o cônjuge sobrevivente mantenha o poder de controle da sociedade (e assim, o número de quotas ou ações, conforme o caso, que lhe garantissem não apenas o direito de nomear o administrador da sociedade, ou de administrá-la, mas também o de deliberar, com poder decisório, os assuntos de interesse da sociedade) até o seu falecimento, quando os herdeiros necessários do casal adquiririam a participação antes havida pelo casal fundador da sociedade.
Alternativamente, os cônjuges podem decidir constituir uma sociedade, incluindo os respectivos filhos, detendo esses, quotas sem direito a voto. No falecimento de um dos cônjuges, os filhos adquiririam as quotas que compunham a legítima do falecido, tanto quanto o cônjuge sobrevivente. Esse último herdaria, também, por força de testamento deixado pelo cônjuge falecido, as quotas correspondentes à parte disponível dos bens deixados pelo falecido.
O testamento mencionado pode ser do tipo “cruzado”, quando elaborado pelos cônjuges ou companheiros, de forma recíproca e idêntica. Nesse caso, o cônjuge sobrevivente herdará a participação do falecido, correspondente à parte disponível de seus bens.
Além dessa opção ser lícita e eficaz para os fins acima, a sociedade holding poderá também oferecer vantagem tributária, o que a torna mais atraente: a carga tributária — o IR sobre o aluguel advindo para a sociedade, e demais tributos devidos pela pessoa jurídica, tais como o PIS e a Cofins (carga tributária entre 11,33% a 14,53%, em média) é muito inferior à carga tributária incidente no caso de locação por parte da pessoa física (27,5% a título de Imposto de Renda).
Tributação envolvendo a holding familiar
ITBI incidente sobre a transferência de bens imóveis para a sociedade holding familiar
Deve-se ressaltar que, em regra, incide o ITBI, quando da transferência de bens particulares para a sociedade, como a holding familiar, por força da incorporação de bens imóveis particulares do(s) sócio(s), como determina o artigo 36, I do CTN.
A operação goza de imunidade constitucional de ITBI quando a atividade preponderante da sociedade administradora de bens, de acordo com o conceito do artigo 37, parágrafo primeiro, do CTN, não for a compra e venda de bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil (inerente ao mercado imobiliário), na sociedade administradora de bens.
Considera-se caracterizada a atividade preponderante, referida no artigo 37 acima citado, quando mais de 50% da receita operacional da pessoa jurídica adquirente, nos dois anos anteriores e nos dois anos subsequentes à aquisição, decorrer de transações mencionadas neste artigo. (Artigo 37, parágrafo 1, CTN).
Se a pessoa jurídica adquirente iniciar suas atividades após a aquisição, ou menos de dois anos antes dela, apurar-se-á a preponderância referida no parágrafo anterior, levando em conta os três primeiros anos seguintes à data da aquisição. (Artigo 37, parágrafo 2, CTN).
A imunidade é limitada ao valor da subscrição e integralização do capital social (artigo 156, parágrafo segundo, inciso I, da CF), como consta da jurisprudência já consolidada do STF [1].
IR incidente no caso de transferência de bens para sociedade holding
Por fim, quanto ao Imposto de Renda, haverá incidência, a título de ganho de capital, caso o valor do imóvel seja integralizado por valor de mercado superior ao constante da declaração de imposto de renda.
Por outro lado, não haverá essa incidência, caso seja integralizado pelo mesmo valor constante do IR, conforme autoriza o artigo 23 da Lei nº 9.249/95 [2]:
Após a decisão do STF, no Tema 796, limitando a imunidade ao valor do capital social a ser integralizado, os fiscos municipais passaram a tributar, a título de ITBI, a diferença entre o valor utilizado na integralização de capital e o valor de mercado dos imóveis integralizados[3], como consta da decisão do TJ-SP, abaixo:
“APELAÇÃO — Mandado de segurança — ITBI — Integralização de imóveis no capital social da empresa — Imunidade Tributária prevista no artigo 156, §2º, I, da Constituição Federal – Sentença que denegou a segurança — Imunidade que não atinge o valor da diferença entre o valor integralizado ao capital social e o valor venal de cada imóvel, nos termos do CTN e legislação municipal — Aplicação do entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal no Tema nº 796 — Sentença mantida — Recurso não provido”. (TJSP; Apelação Cível 1004095-88.2021.8.26.0400; relator (a): Adriana Carvalho; Órgão Julgador: 14ª Câmara de Direito Público; Foro de Olímpia — 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 04/08/2022; Data de Registro: 5/8/2022).
Em síntese, caso o contribuinte utilize o valor da Declaração do IR na operação, evitando, com isso, a tributação pelo ganho de capital (que é, em tese, uma tributação mais gravosa), há o risco do município correspondente pretender cobrar o ITBI, considerando a diferença entre o valor “histórico” utilizado para a integralização e o valor de mercado do imóvel, tratando-se de um dos possíveis riscos que deve ser tomado em consideração no planejamento em questão.
ITBI no caso de desincorporação do imóvel do patrimônio da holding
De acordo com o disposto no artigo 36, parágrafo único do CTN, o ITBI não incide sobre a transmissão aos mesmos alienantes, dos bens e direitos adquiridos na forma do inciso I do mesmo artigo 36 do CTN, em decorrência da sua desincorporação do patrimônio da pessoa jurídica a que foram conferidos.
ITCMD sobre a transferência gratuita de quotas da sociedade holding (base de cálculo)
A base de cálculo da tributação do ITCMD pela cessão gratuita de quotas ou ações, durante a vida, ou a transferência gratuita delas após o falecimento do autor da herança, corresponde ao valor patrimonial contábil das quotas ou ações, de acordo com o patrimônio líquido da sociedade (artigo 14, parágrafo terceiro, da Lei 10.705/2000).
Atualmente, essa base de cálculo encontra-se pacificada no TJ-SP [4], sendo favorável aos contribuintes, porque o valor patrimonial contábil das quotas transmitidas costuma ser inferior ao valor patrimonial real delas, tal qual descrito no balanço da empresa.
Fonte: ConJur