O desafio de realizar um processo tranquilo de troca de guarda nas companhias médias e familiares aumenta à medida que as empresas envelhecem. Saiba como a Cia. Marítima e a La Pastina lidam com a questão
Entrou em vigor, no começo deste mês, a regra que proíbe o acúmulo dos cargos de CEO e de presidente do Conselho de Administração das empresas com ações na Bovespa. O fim do prazo para se adaptar à exigência resultou, nas últimas semanas, numa intensa movimentação nas cúpulas de diversas companhias abertas. Na incorporadora de empreendimentos de luxo JHSF, o empresário José Auriemo Neto vai se dedicar ao conselho, e apontou o ex-vice-presidente, Eduardo Câmara, para substituí-lo na posição de CEO. Já Marcio Goldfarb, principal controlador da rede de vestuário feminino Marisa, fez o caminho inverso e preferiu deixar o comando do conselho para continuar como presidente da empresa.
Em seu lugar, assumiu Israel Vainboim, CEO do ex-Unibanco. Em outras empresas a solução foi caseira. A fabricante cearense de massas e biscoitos M.Dias Branco terá Francisco Ivens de Sá Dias Branco Júnior como presidente. Ele é herdeiro de Francisco Ivens de Sá Dias Branco, que ficará apenas no conselho. JHSF, Marisa e M. Dias Branco foram algumas das empresas que deixaram para a última hora a execução da mudança na governança corporativa. Afinal, nem sempre é simples definir assuntos de sucessão. O processo pode desviar alguns executivos de seus objetivos principais.
Se a questão sucessória traz dificuldades para as grandes companhias de capital aberto, ela é, no entanto, ainda mais delicada e complexa quando se trata de empresas familiares de porte médio, aquelas que se tornarão os grandes negócios de amanhã – categoria avaliada no ranking AS MELHORES DO MIDDLE MARKET, divulgado anualmente pela DINHEIRO. “A complexidade do processo de sucessão nas médias empresas familiares aumenta a partir da terceira e da quarta geração”, afirma Osvaldo Nieto, presidente da Baker Tilly, consultoria especializada em companhias desse porte e parceira da DINHEIRO no anuário. “O número de herdeiros cresce em progressão geométrica de geração para geração, e cada vez mais gente é incluída na estrutura de decisão.”
Essa é uma armadilha que a fabricante de biquínis Cia. Marítima, do bairro do Bom Retiro, em São Paulo, pretende evitar.Com exportações para mais de 40 países, a empresa faz parte do grupo Rosset, dono também de tecelagens, uma estamparia e da marca de lingeries Valisère. Fundado em 1939 por Enrique Rosset, o grupo abriga agora um contingente de herdeiros que chega a mais de 40 pessoas – são três filhos, 10 netos e 17 bisnetos. Benny Rosset, diretor de criação da Cia. Marítima, começou a trabalhar em 1987, com 24 anos, mas antes mesmo, enquanto cursava a faculdade de administração, já fazia estágio na empresa.
Responsável por moda praia no grupo, Benny, aos 47 anos, é o mais velho dos netos de Enrique. “É necessário ter uma boa formação e estar disposto a trabalhar muito para atuar na companhia, afinal ela não é um porto seguro”, diz. “Só o será se os administradores forem competentes.” Para começar a preparar a quarta geração dos Rosset no negócio e deixar claros os direitos e deveres dos familiares executivos, e também dos que são apenas acionistas, a empresa realiza uma espécie de retiro familiar. Até mesmo as crianças participam. Outra empresa que já pensa em fazer um trabalho semelhante é a importadora paulistana de alimentos e vinhos finos La Pastina, fundada em 1947 por Vicente La Pastina, falecido em agosto do ano passado.
O filho e atual presidente, Celso La Pastina, afirma que está buscando a contratação de uma consultoria para estabelecer uma estratégia de governança corporativa que envolve plano de sucessão. A empresa é dona da rede de lojas de bebidas Wine World e do espaço gastronômico Eat, localizado na Vila Olímpia, em São Paulo. Pai de quatro filhos, ele reconhece as dificuldades do processo. “O maior desafio é encontrar alguém com o perfil certo e a vontade para continuar o negócio”, diz. “Numa empresa familiar, também há sempre muita emoção envolvida.” Para quem consegue deixar as emoções de lado, uma alternativa aconselhada para as empresas com dificuldades para encontrar um sucessor na família é, além da contratação de um executivo do mercado, atrair um novo investidor.
“Não existe uma solução única para todas as empresas, apenas um padrão, que é começar identificando as competências das pessoas”, diz Nieto, da Baker Tilly. “Nas empresas mais conservadoras, o sucessor costuma ser o primogênito, mas, às vezes, ele pode não ser a melhor opção dentro da família.” E, mesmo quando eles possuem talento para gestão, vale investir em uma boa formação e até em construir uma experiência prévia. Roberto Setubal, filho do lendário banqueiro Olavo Setubal, atuou como executivo do Citibank, em Nova York, como preparação para o comando do Itaú. Afinal, as dores da sucessão podem ser tão grandes para as gigantes quanto para as médias empresas.
Fonte: IstoÉ
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