1 – Breves considerações sobre Método e as formas de manifestação do Direito
Para o estudo de qualquer Ciência, é necessário realizar a demarcação de seu objeto de análise. A realização desta análise com rigor e precisão, deve ser feita a partir da utilização de um método e de uma certeza na linguagem empregada, a qual deve ser rigorosa, descritiva, construída de forma apta a descrever o fenômeno que se objetiva conhecer.
Daí entendermos que o método é o modo de se aproximar do objeto, a partir de uma série de regras que orientam a investigação e permitem um comunicar passível de ser controlado pela comunidade científica.
Diversos são os modelos teóricos que poderão ser adotados para o estudo do Direito, de modo que, mudando-se o modelo, transforma-se, consequentemente, a conclusão sobre determinado objeto de análise. Todavia, é necessário valer-se de um método que permita conhecer o objeto, não apenas em sentido amplo, mas sob determinada forma de consciência, de percepção, de imagem e de conceito.
O que deve ser estabelecido num modelo para o estudo do direito são as premissas a partir das quais se desenvolverá um raciocínio, estabelecendo, assim, os limites de investigação do objeto a ser estudado.
Nosso método é pautado no Direito entendido como um fenômeno comunicacional.
A indicação do método é fundamental e surge juntamente com a necessidade de indicação do paradigma em que o trabalho está inserido. Os critérios metodológicos definem como o objeto, no caso, do Direito, deve ser pesquisado.
Quando falamos em “Direito”, devemos ressaltar que são muitas possibilidades de se conceber o que é Direito, sendo que optamos por entendê-lo como algo que se manifesta por meio de linguagem. É o Direito, texto jurídico organizador e regulador da sociedade, que possibilita a convivência humana, por meio da regulação de suas ações.
No entanto, o Direito não se manifesta em apenas um plano linguístico, de forma que, antes de estudar os conceitos que serão abordados no presente trabalho, necessariamente precisaremos delimitar em quais desses planos essas questões se operam.
Portanto, devemos, antes de tudo, demonstrar os dois planos da linguagem do direito.
É importante ter em mente que, para a verificação do Direito como um fenômeno comunicacional, devemos distinguir o objeto de sua descrição, já que tanto um como outro são expressões linguísticas, mas que se conformam em diferentes níveis de linguagem.
Temos por sistema, o conjunto de elementos relacionados entre si, os quais são guiados por um vetor comum ou critério unificador (01).
De acordo com as premissas que adotamos, nosso sistema jurídico é composto por dois sistemas: o sistema do direito positivo e o sistema da Ciência do Direito. Trata-se de dois níveis de linguagem distintos, cada qual dotado de características próprias.
O sistema do direito positivo é composto por enunciados prescritivos presentes em seus textos, os quais representam o conjunto das normas jurídicas, que são elementos deste sistema, válidas em um dado espaço e tempo e que estão guiadas pelos princípios jurídicos.
Este sistema pode ser visto como um conjunto organizado das normas válidas num dado espaço e tempo, guiado por uma norma hipotética fundamental. Olhando para esse sistema como uma pirâmide normativa, em seu ápice está a norma fundamental e em sua base estão as demais normas, individualizadas e que são criadas a partir dos procedimentos determinados nesta norma fundamental, que, dentro do nosso sistema positivo, pode ser entendida como a Constituição Federal (02).
Notamos, então, que o primeiro nível de linguagem é o do sistema do direito positivo, é a linguagem objeto, e a investigação desse âmbito se realiza acerca de uma determinada linguagem.
Desse modo, reiteramos que o sistema do direito positivo é o complexo organizado de normas jurídicas válidas num certo país em dado tempo, sendo que a linguagem utilizada nesse sistema é a prescritiva.
Por sua vez, o sistema da Ciência do Direito é formado por enunciados descritivos, isto é, descreve acerca da sua linguagem-objeto, qual seja, o sistema do direito positivo.
A Ciência do Direito é, então, o campo de conhecimento que visa estudar o direito positivo, descrevendo-o, ordenando-o e oferecendo seus conteúdos de significação, utilizando-se, para tanto, de uma linguagem descritiva.
O sistema do direito positivo e o sistema da Ciência do Direito são, portanto, dois corpos de linguagem diversos e autônomos quanto à organização lógica, isto é, sintática, e quantos às funções semânticas e pragmáticas.
A distinção entre essas duas camadas de linguagem é de grande importância, pois diz com a natureza mesma do objeto de que nos ocupamos, além de marcar, com segurança, o tipo de trabalho que havemos de desenvolver: o direito positivo forma um plano de linguagem de índole prescritiva [redutora da realidade social], ao tempo que a Ciência do Direito, que o relata [que o reduz], compõe-se de uma camada de linguagem fundamentalmente descritiva (03).
Ambos os sistemas são linguísticos, eis que se manifestam por meio de linguagem e por meio dela é que se tornam conhecidos pelos sujeitos cognoscentes.
Então, verificando as camadas de linguagem desses dois sistemas, podemos afirmar que qualquer trabalho produzido pelo cientista do Direito haverá de se concentrar na descrição de seu objeto determinado, isto é, o direito positivo (04).
2 – Regime jurídico dos Incentivos Fiscais
Feitas as considerações iniciais sobre o método de análise do Direito e as formas de manifestação deste, voltaremos nossa atenção para a análise do Texto Constitucional para buscar a análise dos incentivos fiscais, objeto do nosso estudo.
Não encontramos, porém, uma sistematização entre as regras que tratam dos incentivos fiscais no plano constitucional. Da mesma forma, oCódigo Tributário Nacionaltambém não nos traz normas gerais que prescrevam a respeito da uniformização destas regras de incentivos.
Cabe-nos então, tentar encontrar o fundamento de validade dos incentivos fiscais, bem como os princípios que deverão nortear o tratamento das regras incentivadoras, pois estamos certos de que a análise dos incentivos fiscais deverá sempre levar em consideração os princípios constitucionais, bem como as finalidades colimadas na ordem jurídica vigente.
Assim como a competência tributária deve ser exercida nos moldes estritamente definidos pelaConstituição Federal, com a parcela designada especialmente a cada ente federativo, a regra de incentivo deve, da mesma forma, observar os limites e motivações da ordem constitucional, e está, de certa forma, vinculada a competências materiais para a sua instituição.
Diversas são as passagens em que oTexto Constitucionaldispõe sobre as competências que permitem a criação de incentivos fiscais. A título exemplificativo podemos mencionar oartigo 151, I, que atrelado aoartigo 43prevê a tributação uniforme pela União, sendo admitida a concessão de incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio socioeconômico entre as diferentes regiões do País,artigo 146, III, c, no que tange aos incentivos que os entes federativos devem conceder às cooperativas,art. 149, § 2º, I,art.153, §3º, III e155, § 2º, X, a, que trata do comércio exterior e estímulo às exportações, dentre outros.
Encontramos na doutrina diversas formas de se analisar os incentivos fiscais. Marcos André Vinhas Catão (05) define incentivos fiscais como:
“(…) instrumentos de desoneração tributária, aprovados pelo próprio ente político autorizado à instituição do tributo, através de veículo legislativo específico, com o propósito de estimular o surgimento de relações jurídicas de cunho econômico. Trata-se de uma suspensão parcial ou total, mas sempre provisória, do poder que lhe é inerente, a fim de conformar determinadas situações, diferindo a tributação para o momento em que a captação de riquezas (imposição fiscal) possa ser efetuada de maneira mais efetiva, eficiente e justa.
Aurélio Pitanga Seixas Filho (06) considera que “os incentivos são concedidos para exercerem uma função de desenvolver determinada atividade, considerada relevante para o legislador”.
Interessante a distinção feita por Herrera Molina (07) ao considerar que o benefício fiscal estaria vinculado a uma ação protecionista do Estado em relação a certa categoria econômica, ao passo que o incentivo fiscal seria uma atitude pró-ativa de estímulo a uma determinada atividade econômica:
“El benefício fiscal es aquella exención fundada em princípios ajenos a la capacidad contributiva: com él se busca otorgar uma vantaja econômica. (…)
Incentivos Tributarios, son aquelllas exencionas configuradas de tal modo que estimulan la realización de determinada conducta.”
Heleno Taveira Tôrres (08) sistematiza a análise dos incentivos com base no regime constitucional:
“(…) encontramos as seguintes modalidades de incentivos autorizados na Constituição: aqueles sob a forma de isenção total ou parcial (crédito presumido, redução de alíquota, etc), chamados de “incentivos tributários”, que podem vir de modo autônomo ou em concomitância com os chamados “incentivos financeiros”, os quais, por exclusão, são aplicáveis a todos os outros casos em que não persistam vinculações à regra-matriz de incidência de um dado tributo, agregando-se nova relação jurídica àquela de natureza estritamente ” tributária” ou mesmo indepentente desta.”
E continua referido autor:
“A relação tributária pode ser antecedente à relação de incentivo ou mesmo modificada por regra de incentivo que afete algum dos critérios da norma tributária. Presentes as condições que autorizam a constituição do fato jurídico necessário ao gozo do benefício, irrompe-se, como conseqüência, a relação jurídica de incentivo (subsídio, subvenção, crédito, etc), tendo o particular, no pólo ativo, o direito subjetivo de reclamar do sujeito passivo, que será o Estado, o dever jurídico de atendimento à vantagem que lhe tenha sido atribuída por lei.”
Logo, podemos tratar o incentivo fiscal como norma que afeta a regra matriz de incidência tributária, com a supressão total ou parcial de um de seus critérios e que, obedecidas as condições estabelecidas em lei, desencadeará na relação jurídica de incentivo.
Importante destacar, ainda, que dentro do sistema constitucional brasileiro, o papel dos incentivos fiscais é o de sempre ser instrumento de impulso a atividade econômica, lastreados também no interesse público do desenvolvimento nacional.
Focando nossa atenção para o tema do presente artigo, cabe maior atenção aos dispositivos constitucionais trazidos pelosartigos 218e219 da Constituição Federal:
Art. 218. O Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa a capacitação tecnológicas.
§ 1º – A pesquisa científica básica receberá tratamento prioritário do Estado, tendo em vista o bem público e o progresso das ciências.
§ 2º – A pesquisa tecnológica voltar-se-á preponderantemente para a solução dos problemas brasileiros e para o desenvolvimento do sistema produtivo nacional e regional.
§ 3º – O Estado apoiará a formação de recursos humanos nas áreas de ciência, pesquisa e tecnologia, e concederá aos que delas se ocupem meios e condições especiais de trabalho.
§ 4º – A lei apoiará e estimulará as empresas que invistam em pesquisa, criação de tecnologia adequada ao País, formação e aperfeiçoamento de seus recursos humanos e que pratiquem sistemas de remuneração que assegurem ao empregado, desvinculada do salário, participação nos ganhos econômicos resultantes da produtividade de seu trabalho.
§ 5º – É facultado aos Estados e ao Distrito Federal vincular parcela de sua receita orçamentária a entidades públicas de fomento ao ensino e à pesquisa científica e tecnológica.
Art. 219. O mercado interno integra o patrimônio nacional e será incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e sócio-econômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica do País, nos termos de lei federal.
Verifica-se que para as regras de incentivo fiscal que trataremos neste artigo, o fundamento de validade constitucional é, sobretudo, baseado nosartigos 218e219 da Constituição Federal, que concedem aos entes públicos a possibilidade de instituir regras incentivadoras no âmbito do desenvolvimento científico, pesquisa e capacitação tecnológica.
Além disso, oartigo 174 da Constituição Federaldeixa clara a função do Estado enquanto agente regulador da atividade econômica:
“Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.”
Por essas disposições constitucionais, não podemos definir os incentivos fiscais a partir de “vantagens” ou até mesmo “benefícios” ou “favores” de ordem fiscal, expressões que estariam muito mais ligados ao conteúdo semântico de “privilégios”.
Ao contrário, verifica-se que o ato de conceder incentivos é dever do Estado para estimular as condutas, baseados na legalidade e obrigações constitucionais perante os particulares, principalmente pelo objetivo fundamental da República Federativa que é o de garantir o desenvolvimento nacional (09).
Portanto, ao mesmo tempo em que aConstituiçãoestabelece as competências tributárias da União, Estados, Distrito Federal e Município, tais entes têm autorização constitucional para conceder incentivos com o fim de promover o desenvolvimento socioeconômico do país, sem deixar de lado as condições trazidas peloartigo 150, § 6º, de que qualquer subsídio, isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, somente poderá ser concedida por meio de lei específica do ente competente autorizado a instituição do tributo.
3 – A Lei do Bem e a concessão de incentivos voltados à pesquisa e desenvolvimento de inovação tecnológica
Conforme dissemos no item precedente, o fundamento constitucional da Lei de Inovação é o interesse público no fomento e geração de tecnologia no âmbito nacional para autonomia tecnológica do país, conforme osartigos 218e219 da Constituição Federal.
Tornando concreto o objetivo constitucional, em 2 de dezembro de 2004, foi editada a daLei nº 10.973, também conhecida como Lei de Inovação, onde nasceram as medidas de estímulo à inovação e à pesquisa científica e tecnológica voltadas ao ambiente produtivo, com o objetivo de capacitar e promover a autonomia tecnológica e desenvolvimento do país.
Oartigo 3ºda referida Lei dispõe que:
Art. 3º – A União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e as respectivas agências de fomento poderão estimular e apoiar a constituição de alianças estratégicas e o desenvolvimento de projetos de cooperação envolvendo empresas nacionais, ICT e entidades nacionais de direito privado sem fins lucrativos voltadas para atividades de pesquisa que objetivem a geração de produtos e processos inovadores.
Fundamentado na necessidade e no dever do Estado em incentivar o desenvolvimento da pesquisa voltada à inovação tecnológica, oartigo 28da Lei de Inovação assim prescreveu:
“Art. 28. A União fomentará a inovação na empresa mediante a concessão de incentivos fiscais com vistas na consecução dos objetivos estabelecidos nesta Lei.
Parágrafo único. O Poder Executivo encaminhará ao Congresso Nacional, em até 120 (cento e vinte) dias, contados da publicação desta Lei, projeto de lei para atender o previsto no caput deste artigo.”
Em cumprimento a esta disposição legal, foi publicada em 21 de novembro de 2005, aLei nº 11.196, instituindo, dentre outros temas, incentivos fiscais para as empresas que promoverem a pesquisa e o desenvolvimento de inovação tecnológica.
Verifica-se que a referida lei, também conhecida como Lei do Bem, foi promulgada com o intuito de estimular a inovação tecnológica nacional, promovendo programa especial de incentivos fiscais para este fim e fomentando a pesquisa e o desenvolvimento da competitividade nacional.
Desde o advento desta lei, que surgiu de forma tímida e com uma interpretação bastante restritiva a respeito de suas disposições, verifica-se que até os dias atuais permanecem as discussões jurídicas a respeito do referido instrumento legal.
É sabido que, embora o intuito da lei fosse o de trazer uma gama interessante de incentivos fiscais atrelados a um baixo índice de burocracia – ante a desnecessidade de prévia apresentação de projetos de pesquisa e desenvolvimento de inovação tecnológica ao Ministério da Ciência Tecnologia para a maior parte dos incentivos trazidos pela lei – ainda assim esta não teve, no início de sua vigência, uma aderência imediata por parte das empresas.
Tal situação se deu em vista da ausência de instrumentos legais complementares que pudessem conferir maior segurança jurídica quando da utilização da Lei do Bem, principalmente quanto ao conceito legal de inovação tecnológica e a amplitude deste conceito em face do rigor do Fisco, no caso de eventual fiscalização.
Desde o segundo semestre de 2011, contudo, vem-se verificando uma modificação desse panorama, havendo uma progressiva e maior adesão das empresas brasileiras aos incentivos prescritos na Lei do Bem, sobretudo tendo em vista a edição, por parte da Receita Federal do Brasil, daInstrução Normativa nº 1.187, de 29 de agosto de 2011. Isto não obstante o fato de que tal diploma normativo não tenha estabelecido uma disciplina totalmente imune a interpretações divergentes, de modo que, sem dúvida, ainda se tem uma certa insegurança jurídica a respeito do tema. Ainda mais tendo em vista a ausência de jurisprudência administrativa ou judicial que possa balizar as condutas dos contribuintes no tocante a utilização destes incentivos.
Procuraremos, neste artigo, traçar considerações a respeito dos incentivos promovidos pela lei, bem como nossa opinião sobre as formas de minimizar o conflito na interpretação dos dispositivos trazidos pela Lei do Bem, em cotejo com as disposições daInstrução Normativa nº 1.187/2011.
4. O conceito de inovação tecnológica: Manual de Oslo, Manual Frascati e a legislação brasileira
Antes de tratarmos especificamente dos benefícios trazidos pela Lei do Bem para as empresas que promoverem pesquisa e desenvolvimento de inovação tecnológica, cabe-nos tratar a respeito deste conceito de “inovação tecnológica” e qual a sua abrangência.
A OCDE – Organização para Cooperação de Desenvolvimento Econômico, formada por 30 países que trabalham em conjunto para buscar soluções a respeito das consequências econômicas, ambientais e sociais decorrentes da globalização, principalmente respondendo sobre as preocupações decorrentes deste processo como a necessidade da governança corporativa, informações relativas a economia e ao desenvolvimento da população, elaborou material com definições a fim de que os países possam comparar suas experiências, identificar respostas para problemas comuns e verificar as boas práticas e coordenação de políticas internacionais.
Neste sentido, temos que o desenvolvimento econômico mundial está muito atrelado à inovação tecnológica, de modo que a OCDE realiza uma orientação metodológica para a apuração do índice de inovação das nações.
Para isso, a OCDE teve como método inicial o Manual Frascati, cujo objetivo foi de apurar e utilizar estatisticamente as atividades de Pesquisas e Desenvolvimento (P&D).
Após este manual surgiu o Manual de Oslo, mais completo e baseado no Manual Frascati, o qual além de dados estatísticos, buscou trazer toda a gama de atividades ligadas ao processo de inovação tecnológica.
Com isso, o Manual de Oslo, padronizou e criou metodologias para servir de fonte internacional de diretrizes para a coleta de dados sobre as atividades inovadoras e pesquisa de P&D dos países industrializados bem como sua relação com o crescimento econômico.
Este Manual trouxe uma definição abrangente de inovação:
“Inovação é a implementação de um produto (bem ou serviço) novo ou significativamente melhorado, ou um processo, ou um novo método de marketing, ou um novo método organizacional nas práticas de negócios, na organização do local de trabalho ou nas relações externas” (10).
Cabe-nos apontar que tanto o Manual Frascati, quanto o Manual de Oslo, auxiliam na interpretação do conceito de inovação e se mostram bastante úteis para o aprofundamento sobre como analisar a inovação tecnológica em suas mais variadas formas.
Embora possamos lidar com o conceito de inovação tecnológica trazido pelo Manual de Oslo, destacamos que aLei nº 11.1196/2006trouxe um conceito de inovação para fins de concessão de incentivos fiscais. Não se trata de um conceito divergente daquele trazido pelo Manual de Oslo, mas é importante construir o conteúdo de significação da norma incentivadora a partir da leitura do texto do direito positivo, no caso, aquele previsto noartigo 17, § 1º da Lei do bem,in verbis:
“Considera-se inovação tecnológica a concepção de novo produto ou processo de fabricação, bem como a agregação de novas funcionalidades ou características ao produto ou processo que implique melhorias incrementais e efetivo ganho de qualidade ou produtividade, resultando maior competitividade ao mercado”
Verifica-se que o conceito legal de inovação trata a respeito da concepção de novo produto ou processo de fabricação e o incremento de novas funcionalidades ao produto ou processo que venham a torná-lo mais competitivo frente ao mercado.
O conceito legal de inovação está, então, ligado à concepção, isto é, à geração de um novo produto ou processo para a empresa.
Cabe destacar que não se exige que a inovação tecnológica seja nova para o mercado, mas que seja novo produto ou processo para a empresa e que resulte em ganho efetivo de qualidade e produtividade e que com isso seja gerada maior competitividade ao mercado.
A partir daí, muitas dúvidas surgem para as empresas que investem em pesquisa e desenvolvimento de inovação tecnológica no seguinte sentido: “estamos ou não diante de inovação?”
Buscando identificar o resultado do processo inovador, Daniela Fernandes de Castro (11) construiu variáveis ao tipo de inovação tecnológica: i) inovação de produto, ii) inovação de processo; iii) inovação de produto e de processo, e iv) relativas ao grau de novidade: i) produto novo para a empresa, mas já existente no mercado nacional; ii) produto novo para o mercado nacional mas já existente no mercado mundial; iii) produto novo para o mercado mundial; iv) processo novo para a empresa, mas já existente no mercado nacional; v) processo novo para o mercado nacional, mas já existente no mercado mundial; vi) processo novo para o mercado mundial.
No caso de inovação para o mercado mundial, a autora citada considera como novidade incremental, por ser inédita.
Verifica-se, então, que o conceito de inovação tecnológica trazido pela Lei do Bem é menos específico que a construção realizada por Daniela Fernandes de Castro, mas termina por abranger qualquer concepção de produto ou processo que venha a gerar competitividade para o mercado. Logo, a inovação pode ser interna, mas deverá resultar num produto ou processo mais competitivo em comparação aos outros.
Desse modo, entendemos que a empresa deverá identificar se está diante ou não de inovação ou pesquisa e desenvolvimento de inovação, por meio do conceito trazido pelo § 1º doartigo 17 da Lei do Beme, sob esse aspecto, nossa opinião é que, optando a empresa por se utilizar dos benefícios da Lei do Bem, deverá estar segura de que está desenvolvendo inovação tecnológica para tornar seu produto ou processo mais competitivo para o mercado.
Além disso, conforme detalharemos adiante, a pessoa jurídica optante pelos incentivos da Lei do Bem, deve estar certa que a prova documental deve corroborar com as atividades de pesquisa e desenvolvimento em inovação, a fim de que seja possível demonstrar a evolução de todas as etapas do projeto de pesquisa, até o produto ou processo considerado inovador.
Para auxiliar estas etapas, tendo em vista que a atividade de inovação está intimamente ligada ao desenvolvimento de uma série de pesquisas para que se chegue ao produto ou processo inovador, o Decreto nº 5.798/2006, instrumento legislativo que regulamenta os incentivos fiscais previstos naLei nº 11.196/2005, traz em seu artigo 2º, os elementos para que sejam considerados como pesquisa tecnológica e desenvolvimento de inovação tecnológica as atividades de:
a) Pesquisa básica dirigida: que se referem aos trabalhos executados com o objetivo de adquirir conhecimentos quanto à compreensão de novos fenômenos, com vistas ao desenvolvimento de produtos, processos ou sistemas inovadores;
b) Pesquisa aplicada: são os trabalhos executados com o objetivo de adquirir novos conhecimentos, com a finalidade de desenvolver ou aprimorar produtos, processos e sistemas.
c) Desenvolvimento experimental: são os trabalhos sistemáticos delineados a partir de conhecimentos pré-existentes, visando a comprovação ou demonstração de viabilidade técnica ou funcional de novos produtos, processos e sistemas se serviços, ou, ainda, um evidente aperfeiçoamento dos já produzidos e estabelecidos.
d) Tecnologia industrial básica: aquelas tais como aferição e calibração de máquinas e equipamentos, o projeto e a confecção de instrumentos de medida específicos, a certificação de conformidade, inclusive os ensaios correspondentes, a normalização ou a documentação técnica gerada e o patenteamento do produto ou processo desenvolvido.
e) Serviço de apoio técnico: aqueles que se sejam indispensáveis à implantação e manutenção das instalações ou equipamentos destinados, exclusivamente, à execução de projetos de pesquisa, desenvolvimento ou inovação tecnológica bem como à capacitação dos recursos humanos a ele dedicados.
Estas são, portanto, as atividades que a legislação enumerou como de pesquisa e desenvolvimento de inovação tecnológica e que também fazem parte dos incentivos previstos pela Lei do Bem, de modo que as pessoas jurídicas que optarem pela utilização dos benefícios deverão se ater a estes conceitos.
Deve-se observar, contudo, que aInstrução Normativa RFB nº 1.187/2011estabeleceu duas exceções em relação à caracterização da pesquisa tecnológica e desenvolvimento de inovação tecnológica, quais sejam:
a) “os trabalhos de coordenação e acompanhamento administrativo e financeiro dos projetos de pesquisa tecnológica e desenvolvimento ou inovação tecnológica nas suas diversas fases;”
b) “os gastos com pessoal na prestação de serviços indiretos nos projetos de pesquisa tecnológica e desenvolvimento de inovação tecnológica, tais como serviços de biblioteca e documentação”.
Passemos, agora, à análise dos incentivos fiscais daLei nº 11.196/2005.
5 – Formas de concessão dos incentivos previstos na Lei do Bem
As formas de concessão dos incentivos fiscais para a inovação tecnológica estão voltados, de forma mais relevante, ao IRPJ e a CSLL.
Conforme disposto noartigo 17 da Lei nº 11.196/2005, a pessoa jurídica poderá usufruir dos seguintes incentivos fiscais:
“dedução, para efeito de apuração do lucro líquido, de valor correspondente à soma dos dispêndios realizados no período de apuração com pesquisa tecnológica e desenvolvimento de inovação tecnológica classificáveis como despesas operacionais pela legislação do Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica – IRPJ ou como pagamento na forma prevista no § 2o deste artigo”;
Da leitura do dispositivo acima, vê-se que o objetivo da lei foi o de permitir que as empresas que promoverem inovação tecnológica deduzam os gastos classificáveis como despesa operacional pela legislação do IPRJ, para apuração do lucro líquido e exclusão da base de cálculo da CSLL.
Os percentuais relativos ao IRPJ para a exclusão do lucro líquido e para a exclusão da base de cálculo da CSLL são os seguintes:
– exclusão, na determinação do lucro real e da base de cálculo da CSLL, o valor correspondente a até 60% da soma dos dispêndios do período de apuração com pesquisa tecnológica, classificáveis como despesa operacional pela legislação do IRPJ (12) (art.19). Esta exclusão poderá chegar a até 80% dos dispêndios do período de apuração, em função da contratação de pesquisadores (art.19, § 1º). – além do incentivo acima, poderá haver o acréscimo de até 20% dos dispêndios ou pagamento vinculado à pesquisa, se houver a patente ou cultivar registrado no período de apuração (art.19, § 3º).
Deve-se ressaltar que estas exclusões são limitadas ao valor do lucro real e da base de caçulo da CSLL antes da própria exclusão, sendo vedado aproveitar de eventual excesso em período de apuração posterior, nos termos do § 5º, doartigo 19 da Lei do Bem.
Além disso, poderá, ainda, o contribuinte valer-se da:
– Depreciação integral, para efeito de apuração do IR e CSLL (art. 17, III, alterado pelaLei nº 11.774/08) de equipamentos, máquinas, aparelhos destinados a P&D.
– Amortização acelerada, mediante a dedução como custo ou despesa operacional,dos dispêndios relativos à aquisição de intangíveis, para atividades de P&D, classificáveis como ativo diferido, para efeito de apuração do IRPJ (art. 17, IV).
No caso da contratação de micro e empresas de pequeno porte para execução de pesquisa tecnológica e de desenvolvimento de inovação tecnológica de interesse e por conta ordem de pessoa jurídica que promoveu a transferência, poderão ser considerados como despesas operacionais, consoante disposto noartigo 18 da Lei do Bem.
Em contrapartida, não constituirão receita das microempresas e empresas de pequeno porte, as importâncias recebidas, desde que tenham sido utilizadas integralmente para a atividade de pesquisa e desenvolvimento de inovação tecnológica.
A Lei do Bem prevê também redução no tocante ao IPI. Oartigo 17, II, dispõe acerca da redução de Redução de 50% do Imposto sobre Produtos Industriais – IPI devido na compra de máquinas, equipamentos ou instrumentos destinados à P&D.
Quando houver remessas para o exterior destinadas ao registro, manutenção de marcas, patentes e cultivares, o inciso VI, doartigo 17, prevê redução a 0% da alíquota do IR retido na Fonte.
O artigo 21 traz, ainda, a possibilidade de subvenção no caso de contratação pela empresa de pesquisadores. Neste caso, poderá haver o subsídio de:
– até 40% da remuneração de pesquisadores (doutores e mestres)
– até 60% da remuneração de pesquisadores (doutores e mestres) na área extintas do Sudene e Sudam
Há que se destacar, ainda, os incentivos previstos noartigo 19-A da Lei nº 11.196/05, que tem por objetivo promover a aproximação entre ICT´s – Instituições Científicas e Tecnológicas e empresas para o desenvolvimento de inovação tecnológica.
A Instituição Científica e Tecnológica tem sua definição baseada naLei nº 10.973/04- Lei de Inovação, que em seuartigo 2º, inciso V, estabelece que a ICT deverá ser órgão ou entidade da administração pública cuja missão institucional seja preponderantemente voltada à execução de atividades de pesquisa básica ou aplicada, de caráter científico, tecnológico ou de inovação.
Então, havendo a contratação de ICT para a elaboração de inovação tecnológica sob a forma de parceria, a Lei do Bem estabelece outros incentivos fiscais, previstos noartigo 19-A, quais sejam: a exclusão do lucro líquido, para efeito de apuração do lucro real e da base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), dos dispêndios efetivados em projeto de pesquisa científica e tecnológica e de inovação tecnológica a ser executado por Instituição Científica e Tecnológica (ICT), – previstos no inciso V do caput doart. 2º da Lei nº 10.973, de 2 de dezembro de 2004- , ou por entidades científicas e tecnológicas privadas, sem fins lucrativos.
Os percentuais relativos ao IRPJ para a exclusão do lucro líquido e para a exclusão da base de cálculo da CSLL deverão ser correspondentes a no mínimo a metade e no máximo duas vezes e meia o valor dos dispêndios efetuados (inciso I, § 1º,art. 19 A) e deverá ser realizada no período de apuração em que os recursos forem efetivamente despendidos.
A depreciação e amortização serão normais, com a exclusão dos valores não depreciados e não amortizados na determinação do lucro real (não aplicável para apuração do CSLL).
Importante destacar que os incentivos previstos noartigo 19-Acontam com algumas especificidades, isto é, a opção por essa parceria é excludente da utilização de outros benefícios da Lei do Bem, sendo que a ICT além de deter um percentual sobre os direitos da criação e da propriedade industrial e intelectual do projeto, proporcional ao percentual do valor aproveitado pelo beneficiário, poderá negociar a transferência de tecnologia, o licenciamento para o uso e a exploração ou a prestação de serviços.
Além disso, destaca-se que, ao contrário dos incentivos previstos noartigo 17,18e19, a pessoa jurídica que optar pelos incentivos doartigo 19-A, deverá submeter os projetos apresentados pela ICT para prévia aprovação por comitê permanente de ações e pesquisa científica e tecnológica e de inovação tecnológica, constituído por representantes do Ministério da Ciência e Tecnologia, Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e do Ministério da Educação, conforme preceitua o § 8º doartigo 19-A da Lei do Bem.
6 – Critérios para permitir maior segurança jurídica na utilização dos incentivos da Lei do Bem
Os incentivos previstos na Lei do Bem, como qualquer outra regra de incentivo fiscal, requerem rigor e atenção quando de sua utilização.
Para que a empresa inovadora possa valer-se dos incentivos, necessário que tenha uma estrutura bem definida e organizada para demonstrar os gastos efetuados com P&D, isto é, deverá haver uma demonstração e gestão eficiente e transparente de custos para os gastos com inovação, a fim de que em eventual fiscalização, a empresa possa demonstrar, com fidelidade e segurança, todos os dispêndios realizados nos processos de desenvolvimento de pesquisa tecnológica.
Neste sentido, importante destacar o disposto noartigo 22 da Lei 11.196/05,in verbis:
“Art. 22. Os dispêndios e pagamentos de que tratam os arts. 17 a 20 desta lei:
I – serão controlados contabilmente em contas específicas; e
II – somente poderão ser deduzidos se pagos a pessoas físicas ou jurídicas residentes e domiciliadas no País, ressalvados os mencionados nos incisos V e VI do caput do art. 17 desta Lei.
Entendemos que as contas específicas referidas no inciso I, doartigo 22, facilitam o controle e comprovação tanto das exclusões das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL quanto dos dispêndios com inovação, bem como possibilita o controle da depreciação integral e amortização acelerada e dos bens com redução de 50% do IPI.
Deve-se registrar que aInstrução Normativa nº 1.187/2011também prevê tal obrigação (prevista noartigo 22, inciso I, da Lei nº 11.196/05), em suas “Disposições Finais”. Tal fato, aliás, aponta no sentido de que todas as pessoas jurídicas que se enquadrarem nos benefícios previstos na Lei do Bem deverão promover o controle contábil dos dispêndios em contas específicas.
Além disso, é importante que exista uma total consonância entre os valores comprovados nos projetos e aqueles contabilizados. Daí a necessidade uma contabilidade organizada, e, sobretudo, transparente, a fim de refletir eficazmente os gastos praticados pela empresa para o desenvolvimento e da pesquisa em inovação tecnológica.
Para isso, entendemos que uma “gestão por projetos” facilita a comprovação dos dispêndios com inovação tecnológica, dado que cada projeto poderá ter documentado qual foi o gasto exato para sua pesquisa, desenvolvimento, implementação e até mesmo o seu cancelamento. Com uma gestão específica por projetos, permite-se que a empresa tenha o controle real do seu gasto com inovação para cada projeto em específico, considerando desde a despesa com pessoal, que se mostra extremamente relevante, até os gastos com o próprio desenvolvimento do projeto.
De fato, embora o dispositivo legal estabeleça a necessidade de centros de custos específicos, entendemos que uma gestão de custos por projetos permitirá que o contribuinte, em caso de fiscalização, possa defender-se caso algum de seus projetos venha a ser glosado pelo Fisco. Se houver a dependência de comprovação deste projeto em um único centro de custo, dificilmente o contribuinte logrará êxito em provar que determinada despesa se refere ao projeto objeto da glosa e não a outro.
Portanto, uma gestão por projetos permite, além da transparência dos dispêndios, que o contribuinte possa demonstrar, em caso de fiscalização, quais gastos foram computados em cada projeto e permitirá maior segurança na aplicação da exclusão do lucro líquido e da base de cálculo da CSLL, afinal, grande parte das autuações fiscais decorre da glosa de valores que eventualmente foram registrados como despesa, mas que não possuem comprovação eficaz.
Além disso, é importante que o contribuinte observe a regra prevista noartigo 195 do Código Tributário Nacional, relativa à obrigatoriedade de manter os livros obrigatórios e a escrituração fiscal e comercial em boa ordem até que ocorra o lapso temporal de cinco anos das operações a que se refiram. Esta obrigação, de acordo com nosso entendimento, não se restringe apenas à documentação fiscal, mas de todos os registros comprobatórios das pesquisas e desenvolvimento de inovação tecnológica, a fim de permitir a aferição dos critérios estabelecidos pela lei.
Além disso, consoante disposto noartigo 923 do RIR, a escrituração mantida em observância as disposições legais faz prova a favor do contribuinte dos fatos nela registrados e comprovados por documentos hábeis, segundo sua natureza, ou assim definidos em preceitos legais.
De igual forma, recomenda-se que, nos casos de projetos abortados no curso da pesquisa, a empresa tenha o mesmo critério de comprovação de projeto que foi regularmente concluído.
Retomando, destaca-se, mais uma vez, que a legislação autoriza a dedução dos dispêndios com inovação que sejam classificáveis como despesas operacionais e que estejam diretamente relacionados às atividades de P&D, isto é, o enquadramento das despesas deverá estar relacionado a projeto de inovação tecnológica. Neste sentido, o recomendável ao contribuinte é que seja conservador em utilizar os dispêndios com inovação e que exista a prova documental de sua utilização em projetos de inovação.
A questão das despesas operacionais é bastante controvertida. Em estudos e debates realizados entre contribuintes e Fisco, as despesas operacionais que poderão ser deduzidas do lucro líquido e da base de cálculo da CSLL são permeadas de polêmicas, até porque a lei e oDecreto nº 5.798/2006não deixam claro sobre seu detalhamento.
Dentre os diversos exemplos, podemos citar o caso das despesas com viagens ao exterior voltadas à pesquisa em inovação: neste caso, entendemos que a lei é clara que apenas as despesas contratadas e pagas no Brasil é que poderão ser deduzidas, logo, se as passagens foram compradas no Brasil o dispêndio poderá ser lançado. Contudo, entendemos pela vedação no caso das despesas decorrentes de gastos realizados no exterior por funcionário, ainda que com o objetivo de pesquisar e desenvolver projetos de inovação.
Atualmente, os dispêndios que têm se mostrando mais relevantes em termos financeiros e que acabam trazendo dúvidas às empresas são aqueles voltados às despesas com pessoal, isto é, o material humano que se engajará na pesquisa com inovação.
As dúvidas mais frequentes são aquelas que dizem respeito à migração de funcionários que desempenham papel normal no dia a dia da empresa para desempenharem papel nos projetos de inovação.
Conforme dissemos, a Lei do Bem, em seuartigo 19, § 1º, prevê a possibilidade da exclusão de até 80% na determinação do lucro real e da base de cálculo da CSLL se houver aumento no número de pesquisadores dentro do período de apuração.
O aumento do incentivo fiscal poderia então ser realizado com a migração de funcionário que desempenha papel normal dentro da empresa para projeto de inovação?
Entendemos, particularmente, que esta transferência de profissionais é possível, desde que com evidências desta transferência por meio da alteração do contrato de trabalho. Neste caso é importante que seja documentada e alterada a descrição do cargo do profissional, e, se possível, em qual projeto de pesquisa este colaborador será alocado.
No caso de funcionários que dedicam parte de seu tempo em projeto de inovação e o restante em atividades normais da empresa, entendemos que a empresa deverá comprovar eficazmente a alocação dos funcionários e, o mais importante, que toda esta produção documental seja realizada contemporaneamente aos fatos.
Desta forma, cabe citar a previsão expressa doartigo 5º da Instrução Normativa nº 1.187/2011, no sentido de que os custos com pesquisadores contratados pela pessoa jurídica, sem dedicação exclusiva, poderão ser considerados como dispêndios, desde que conste expressamente em seu contrato de trabalho o desempenho como pesquisador em atividade de inovação tecnológica desenvolvida pelo empregador. Além disso, a empresa inovadora deverá possuir para o projeto incentivado, controle das atividades desenvolvidas e as respectivas horas trabalhadas. Neste caso, somente poderão ser computadas como dispêndios as horas efetivamente empregadas nos projetos incentivados.
De todo modo, tal norma não trata especificamente de empregados próprios da empresa que venham a ser destinados ao projeto de inovação, de sorte que a questão ainda pode gerar discussões. Contudo, em uma interpretação sistemática da legislação que trata dos benefícios, parece não haver razão para que isto não seja aceito.
Cabe registrar, ademais, que a Instrução Normativa em questão exclui, ainda, da incidência do incentivo, os valores pagos a título de remuneração indireta e os gastos com pessoal de serviços auxiliares, ainda que relacionados com as atividades de inovação tecnológica, inclusive as despesas concernentes aos departamentos de gestão administrativa e financeira, e de segurança, limpeza, manutenção, aluguel e refeitórios.
A Lei do Bem, por outro lado, também autoriza a depreciação integral de máquinas e equipamentos, sendo que entendemos que a parcela de depreciação normal que a contabilidade apropria nos períodos subsequentes não pode ser considerada um dispêndio.
Feitas estas considerações, não se pode deixar de mencionar que não cessam os questionamentos sobre quais dispêndios poderão ser considerados para fins de exclusão do lucro real e da base de cálculo da CSLL, de modo que o foco de atenção das empresas deve estar voltado para os gastos que possam ter segura comprovação, diretamente atrelada aos gastos com projetos de inovação tecnológica e desde que tais despesas possam ser classificáveis como despesas operacionais, conforme a legislação.
7 – Requisitos a serem cumpridos para a fruição dos incentivos da Lei do Bem
Somente as pessoas jurídicas optantes do lucro real é que poderão valer-se dos incentivos previstos na Lei do Bem. De fato, da forma como foram instituídos os incentivos, não há como pessoas jurídicas optantes pelo lucro presumido se utilizarem destas regras incentivadoras e, com isso, já se reduz o número de contribuintes que poderão optar pela utilização dos incentivos da Lei do Bem.
Além disso, os dispêndios somente poderão ser deduzidos se pagos a pessoas físicas e jurídicas residentes e domiciliadas no país.
Requisito polêmico é o previsto noartigo 23 da Lei do Bem, que diz respeito à regularidade fiscal. Assim dispõe referido artigo:
“Art. 23. O gozo dos benefícios fiscais e da subvenção que tratam os artigos 17 a 21 desta Lei fica condicionado à comprovação da regularidade fiscal da pessoa jurídica.”
Verifica-se, então, ser imprescindível a regularidade fiscal para o gozo dos incentivos, isto é, a empresa deve ser portadora da Certidão Negativa de Débitos ou de Certidão Positiva com Efeito de Negativa, o que limita ainda mais o número de empresas que poderão se utilizar dos incentivos.
AInstrução Normativa nº 1.187/2011, a fim de regulamentar, no âmbito da Receita Federal do Brasil, oartigo 23 da Lei do Bem, estabeleceu, de forma expressa, em seu artigo 19 (Disposições Finais) que a prova da regularidade deve dar-se por meio da apresentação da Certidão Negativa de Débitos ou da Certidão Positiva com Efeitos de Negativa válida, referente aos dois semestres do ano-calendário em que fizer uso dos benefícios.
O texto da Instrução Normativa deixa margem a dúvidas e, pois, a discussões. Isto porque pode ensejar a interpretação de que, feito o uso do benefício, a empresa deve dispor de CND válida durante todo o ano-calendário, o que, na prática, revela-se por demais dificultoso, importando um entrave ao gozo dos incentivos em questão que se choca com a própria Lei. Na verdade, a Receita Federal do Brasil, no ponto, parece ter extrapolado, no que tange à exigência feita pela própria Lei do Bem, restringindo de uma forma ainda mais rigorosa o gozo dos respectivos incentivos pelas empresas brasileiras.
Não se pode ignorar, ademais, que, sobre a questão, vislumbra-se também uma linha de interpretação que aponta no sentido de que a empresa deve ter a sua regularidade comprovada por ocasião do encerramento de cada semestre, ou até mesmo, no encerramento do ano-calendário (31 de dezembro). Tais posicionamentos, de todo modo, não conferem ao contribuinte a segurança necessária para o gozo dos incentivos.
Entendemos, quanto à questão, que se houver necessidade de obtenção da CND/CPD-EN por meio do Poder Judiciário e o contribuinte lograr êxito em obtê-la em período posterior, a Receita Federal do Brasil, em respeito ao princípio da isonomia, tem o dever de autorizar a utilização retrativa do benefício para o período em que se exige a regularidade fiscal.
Além disso, conforme disposto noartigo 14 do Decreto nº 5.798/2006, a pessoa jurídica beneficiária dos incentivos em tela fica obrigada a prestar, em meio eletrônico, informações sobre os programas de pesquisa, desenvolvimento tecnológico e inovação, até o dia 31 de julho de cada ano, sendo que a documentação relativa à utilização dos incentivos deverá ser mantida à disposição da fiscalização pelo prazo prescricional.
Por fim, cabe destacar que, no caso de descumprimento das obrigações relativas ao gozo dos incentivos fiscais, a Receita Federal do Brasil, em caso de fiscalização, poderá lançar o imposto eventualmente devido relativo aos últimos 5 anos, acrescidos de juros e multa, de mora ou de ofício, sem prejuízo das sanções penais cabíveis.
8 – Conclusões
Estamos convictos que aLei nº 11.196/2005é um importante instrumento de estímulo ao desenvolvimento da pesquisa para a inovação tecnológica do país, muito embora exista uma grande insegurança jurídica e alto grau de subjetivismo na aplicação do conceito legal de inovação tecnológica e de todo o arcabouço procedimental exigido por ela.
O conceito legal de inovação tecnológica traz a necessidade da concepção de novo produto ou processo de fabricação e o incremento de novas funcionalidades ao produto ou processo que venham a torná-lo mais competitivo frente ao mercado para que as empresas possam usufruir das regras de incentivo trazidas pela Lei do Bem.
Embora o tema ainda ofereça uma certa insegurança jurídica, mesmo com o advento daInstrução Normativa nº 1.187/2011, sobretudo em face da ausência de jurisprudência administrativa e judicial a respeito, ainda assim, entendemos que a Lei do Bem é um instrumento de verdadeiro encorajamento ao crescimento e desenvolvimento da inovação tecnológica nacional.
Deve, portanto, ser utilizada por todas as pessoas jurídicas que detém os requisitos ali exigidos, sem deixar de lado as cautelas necessárias que levam em consideração a correta contabilização dos dispêndios gastos nos projetos de pesquisa e desenvolvimento de inovação tecnológica, a contabilização dos dispêndios em contas específicas e, se possível, segregadas por projetos, bem como a manutenção de documentação probatória apta a demonstrar a realização de pesquisa e desenvolvimento em inovação tecnológica.
Referências Bibliográficas
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário, 17ªed., Saraiva: São Paulo, 2005.
Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 2. ed. Saraiva: São Paulo, 1999b.
CASTRO, Daniela Fernandes de Castro. Padrões Setoriais da Inovação Tecnológica na Indústria Brasileira: uma análise de Cluster a partir da PINTEC, Dissertação de Mestrado em Economia Política, PUC-SP: 2010.
CATÃO, Marcos André Vinhas. Regime Jurídico dos Incentivos Fiscais,1ª Ed., Renovar: São Paulo, 2004.
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito Tradução de João Baptista Machado. 6. ed., 5. tir. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
TÔRRES, Heleno Taveira. Crédito Prêmio de IPI, 1ª. Ed. SP, Minha Editora e Manole: São Paulo, 2005.
SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Lançamento tributário. 2. ed. São Paulo: Editora Max Limonad, 1996.
SEIXAS FILHO, Aurélio Pitanga. Teoria e Prática das Isenções Tributárias, Forense: Rio de Janeiro, 1989.
Notas
(01) Carvalho, Paulo de Barros, Curso de Direito Tributário, p. 137
(02) Kelsen, Hans, Teoria Pura do Direito, p. 221
(03) Carvalho, Paulo de Barros, Direito Tributário Fundamentos Jurídicos da Incidência, p. 4
(04) Nesse sentido, EURICO MARCOS DINIZ DE SANTI (1996, p. 30), citando Guibourg, Ghigliani e Guarinoni: “Peculiaridade do objeto da Dogmática Jurídica é apresentar-se como discurso lingüístico. Fato este inteligível dado que a linguagem é o instrumento por excelência para o trato com a realidade. Também como a linguagem se apresenta a Ciência do Direito que descreve o direito positivo e sobrepõe-se-lhe na posição de metalinguagem. O cientista não faz o direito: fala sobre ele, separa conceptualmente as normas jurídicas para, ‘em seu discurso de cientista, emitir enunciados sobre o direito’.”
(05) Regime Jurídico dos Incentivos Fiscais, p.13.
(06) Teoria e Prática das Isenções Tributárias, p. 114.
(07) Herreira Molina, Pedro M. La exencion tributária, Madrid: Colex, 1990, p 57 apud Heleno Taveira Tôrres, Crédito Prêmio de IPI, p.161.
(08) Crédito Prêmio de IPI, p. 162.
(09) Artigo 3, II, Constituição Federal.
(10) p. 55, edição 2005.
(11) Padrões Setoriais da Inovação Tecnológica na Indústria Brasileira: uma análise de Cluster a partir da PINTEC, p. 96.
(12) RIR, artigo 299: serão operacionais as despesas não computadas nos custos, necessárias à atividade da empresa e à manutenção da respectiva fonte produtora.
1. Serão necessárias as despesas pagas ou incorridas para a realização das transações ou operações exigidas pela atividade da empresa
2. As despesas operacionais admitidas são as usuais ou normais no tipo de transações, operações ou atividades da empresa.
Sílvia Helena Gomes Piva
Mestre e doutoranda em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP. Professora conferencista do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET e do Curso de Especialização lato sensu em Direito Tributário da PUC-SP – COGEAE. Advogada.
Fonte: FISCOSOFT
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