Por Gilmara Santos — De São Paulo
A Receita Federal tem enviado aviso de que diretores de empresas podem responder por crime, como apropriação indébita, caso não sejam quitadas dívidas de tributos com retenção na fonte — entre eles, Imposto de Renda e contribuição previdenciária. Ao verificar a inadimplência em sua base de dados, o órgão informa que, se ela for mantida, irá inscrever o contribuinte na dívida ativa e encaminhar representação fiscal para fins penais ao Ministério Público. Com a medida, sócios e administradores correm o risco de serem condenados a cumprir pena de reclusão, de 2 a 5 anos, e pagar multa.
O objetivo, segundo a Receita Federal informou ao Valor, é incentivar a autorregularização pelos contribuintes. O movimento da fiscalização tem como base o artigo 6º da Portaria nº 1.750, de 2018. O dispositivo autoriza a representação fiscal para fins penais apenas decorrente de procedimento fiscal aberto após verificação, nos sistemas do órgão, de dívidas em aberto. Há, porém, lembram advogados, jurisprudência autorizando a medida somente depois de esgotado o processo administrativo.
“Apesar de ter sido editada em 2018, a portaria só passou a ser usada no fim do ano passado, com diversos contribuintes recebendo intimações de que foram lavradas representações fiscais para fins penais contra administradores e exigindo que certos débitos sejam recolhidos, sob pena de encaminhamento delas ao Ministério Público Federal”, diz Cassio Sztokfisz, do escritório Schneider, Pugliese.
O advogado conta que clientes do escritório têm recebido a intimação. Um deles, por exemplo, tinha feito uma compensação tributária. Outro tem liminar para não pagar o tributo. E, num dos casos, o contribuinte optou por quitar o débito. “É uma forma da Receita Federal pressionar o contribuinte”, afirma.
De acordo com ele, antes de qualquer procedimento fiscalizatório e evidência de conduta culposa ou dolosa, ou mesmo previamente às explicações do contribuinte a respeito da pendência fiscal, o órgão tem enviado representação fiscal para fins penais às residências de administradores, “causando perplexidade e grandes transtornos”.
A advogada Silvania Tognetti, do escritório Tognetti Advogados, destaca que qualquer tributo que ficar com status em aberto no sistema da Receita Federal pode gerar uma representação. “Mas muitos débitos em aberto no sistema da Receita não estão corretos. Pode ser código errado. Ou parcelamento que o contribuinte fez e não conseguiu pagar ou algo que está sendo discutindo na Justiça”, diz. “A representação penal deveria ser feita com cautela. O simples fato de não pagar um imposto não significa que houve um crime.”
Thiago Garbelotti, do escritório Braga & Garbelotti Consultores Jurídicos e Advogados, afirma que a ação da Receita Federal de lavrar auto de infração fazendo o encaminhamento de representação fiscal para o Ministério Público tem se intensificado nos últimos meses. “Com isso, acaba entrando na vida pessoal dos administradores. Eles, até pelo constrangimento público, tendem a sair correndo e querer pagar. Está [a Receita] utilizando a medida como instrumento de coerção. Antes mesmo da averiguação, já quer constranger a pessoa a pagar”, diz.
O coordenador-geral de Administração do Crédito Tributário da Receita Federal, Marcos Flores, afirma que o intuito do órgão é mandar um alerta para os contribuintes fazerem a autorregularização do débito. “O objetivo é promover a conformidade tributária, oportunidade para avaliar as inconsistências detectadas pela Receita e fazer a autorregularização”, diz. “O próprio texto que enviamos aos contribuintes afirma que o objetivo desse contato é promover a conformidade tributária.”
O representante da Receita afirma que, após receber o aviso, o contribuinte tem prazo de 30 dias para regularizar as pendências. “A partir de 30 dias, no máximo em mais 90, totalizando 120 dias, vai estar inscrito em dívida ativa e vai ser encaminhada a representação ao Ministério Público Federal”, diz.
De acordo com Flores, trata-se de um procedimento de cobrança administrativa especial, que fala em um primeiro momento da autorregularização do contribuinte. “Se cometeu crime de apropriação indébita, tem inconsistência na informação e não corrige, temos que tomar as medidas necessárias”, afirma o coordenador-geral.
Se o contribuinte recolheu errado, acrescenta, pode corrigir o código, e se não pagou o tributo, deve quitá-lo, inclusive com a possibilidade de parcelamento, o que extingue a punibilidade. “Se está discutindo no Judiciário e não houve a suspensão da exigibilidade, o imposto é devido”, diz Marcos Flores.