Como regra, os sócios não respondem pelos débitos fiscais da empresa, mesmo que a sociedade não possua bens suficientes para satisfazer suas obrigações.
No entanto, existem exceções a essa regra, e o encerramento irregular da empresa é a causa mais comum da excepcional responsabilização dos sócios pelas obrigações fiscais da empresa.
O encerramento irregular ocorre quando a empresa deixa de exercer suas atividades e não comunica tal fato aos órgãos competentes. Na prática, tal circunstância é comprovada por meio de Oficial de Justiça, que a pedido do fisco comparece no endereço que a sociedade declara aos órgãos públicos como sendo de sua sede e certifica que a empresa não funciona no local.
A não localização da empresa no endereço que consta nos cadastros públicos é considerada pela maioria da jurisprudência como presunção de encerramento irregular, suficiente para ensejar a responsabilização dos sócios. Esse entendimento foi consolidado na Súmula 435 do Superior Tribunal de Justiça:
“Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente”.
Entretanto, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu em recente julgamento que o encerramento irregular da sociedade não é por si só fundamento suficiente para a desconsideração da personalidade jurídica, o que pode reabrir a discussão a respeito da responsabilização dos sócios nessa hipótese.
No voto proferido no Recurso Especial n. 1.395.288/SP, a Ministra Nancy Andrighi afirmou que:
“a dissolução irregular da sociedade não pode ser fundamento isolado para o pedido de desconsideração da personalidade jurídica, mas, aliada a fatos concretos que permitam deduzir ter sido o esvaziamento do patrimônio societário ardilosamente provocado de modo a impedir a satisfação dos credores em benefício de terceiros, é circunstância que autoriza induzir existente o abuso de direito. Esse abuso, a depender da situação fática delineada, se materializa no uso ilegítimo da personalidade jurídica para fraudar o cumprimento das obrigações (desvio de finalidade) e/ou na ausência de separação entre o patrimônio da pessoa jurídica e o de seus sócios (confusão patrimonial)”.
Embora a referida decisão não trate especificamente da responsabilidade tributária dos sócios, prevista noartigo 135 do Código Tributário Nacional, entendemos que seus fundamentos são perfeitamente aplicáveis aos casos fiscais, colocando em xeque a Súmula 435 do Superior Tribunal de Justiça e as decisões judiciais que com base nesta consideram o simples encerramento irregular da empresa como apto a provocar a responsabilização dos sócios pelas obrigações fiscais da empresa.
De acordo com esse precedente, além do encerramento irregular, o credor deve demonstrar que os sócios agiram de forma dolosa ou fraudulenta, ou então que se aproveitaram dos bens da empresa para interesses pessoais, o que torna mais árdua a tarefa do credor de reunir elementos de prova para pedir a responsabilização dos sócios. A nosso ver essa interpretação deve ser aplicada nas execuções fiscais, ou seja, não basta a demonstração do encerramento irregular; o fisco deve no mínimo apresentar indícios de que os sócios agiram de forma fraudulenta.
Mas mesmo que esse precedente não mude a opinião da maioria da jurisprudência – que entende que o encerramento irregular é suficiente para a responsabilização dos sócios -, vale ressaltar que ainda assim o sócio tem meios de afastar sua responsabilidade pessoal pelos débitos fiscais da sociedade. O sócio tem as seguintes alternativas – todas baseadas na jurisprudência:
a) comprovar que a empresa continua a exercer suas atividades em outro endereço e que não foi localizada em razão da não atualização dos cadastros dos órgãos públicos, simples irregularidade que não pode ensejar a responsabilização dos sócios;
b) demonstrar que se retirou da empresa antes do encerramento das atividades;
“EXECUÇÃO FISCAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RESPONSABILIDADE DE SOCIOS. DISSOLUÇÃO IRREGULAR CONFIGURADA. ARTIGO 135, III, DO CPC. SUMULA 435 STJ. RECURSO PROVIDO. – A inclusão de sócios-gerentes no polo passivo da execução fiscal é matéria disciplinada no artigo 135, inciso III, do CTN. Quando os nomes dos corresponsáveis não constam da certidão da dívida ativa, somente é cabível se comprovados atos de gestão com excesso de poderes, infração à lei, ao contrato, ao estatuto social ou, ainda, na hipótese de encerramento irregular da sociedade. (…) – Para a configuração da responsabilidade delineada na norma tributária como consequência da dissolução irregular é imprescindível a comprovação de que o sócio integrava a empresa quando do fechamento de suas atividades e de que era gerente ao tempo do vencimento do tributo. (…) – Agravo de instrumento provido.” (TRF 3ª Região, QUARTA TURMA, AI 0014410-87.2013.4.03.0000, Rel. JUÍZA CONVOCADA SIMONE SCHRODER RIBEIRO, julgado em 13/02/2014, e-DJF3 Judicial 1 DATA:28/02/2014)
c) comprovar que não possuía poderes de administração na empresa;
“AGRAVO LEGAL – AGRAVO DE INSTRUMENTO – REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO – SÓCIO QUE NÃO EXERCIA PODERES DE GERÊNCIA DA SOCEDADE À ÉPOCA DA DISSOLUÇÃO IRREGULAR – IMPOSSIBILIDADE DE INCLUSÃO NO POLO PASSIVO. I – Admite-se o redirecionamento da execução fiscal nos casos em que, comprovada a impossibilidade de garantia da causa pelos meios ordinários, apresentem-se indícios da dissolução irregular da sociedade executada ou das práticas descritas no artigo 135, III. II – De acordo com o entendimento firmado no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, adotado também por esta E. Terceira Turma, o redirecionamento da execução deve ocorrer contra os sócios que geriam a empresa na época em que houve sua dissolução irregular. III – Cuidando-se de sócio que não exercia poderes de gerência da sociedade à época da dissolução irregular, descabida a sua inclusão no polo passivo da execução. IV – Precedentes. (…) VIII – Agravo legal improvido.” (TRF 3ª Região, TERCEIRA TURMA, AI 0010900-37.2011.4.03.0000, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL CECILIA MARCONDES, julgado em 16/01/2014, e-DJF3 Judicial 1 DATA:24/01/2014)
d) demonstrar que o encerramento irregular não foi causado por dolo, culpa, fraude ou excesso de poder.
“RECURSO ESPECIAL – EXECUÇÃO FISCAL – REDIRECIONAMENTO – DISSOLUÇÃO IRREGULAR DA SOCIEDADE CERTIFICADA POR OFICIAL DE JUSTIÇA – CABIMENTO. 1. A certidão do oficial de justiça que atesta o encerramento das atividades da empresa no endereço fiscal é indício de dissolução irregular apto a ensejar o redirecionamento da execução fiscal. Precedentes. 2. A não localização da empresa no endereço fornecido como domicílio fiscal gera presunção iuris tantum de dissolução irregular. Possível, assim, a responsabilização do sócio-gerente, a quem caberá o ônus de provar não ter agido com dolo, culpa, fraude ou excesso de poder. 3. Recurso especial não provido.” (REsp 1344414/SC, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 13/08/2013, DJe 20/08/2013)
Ou seja, a constatação do encerramento irregular não é causa definitiva para a responsabilização dos sócios. Existem alternativas, plenamente viáveis, para afastar a responsabilidade pessoal dos sócios nessa hipótese.
Vinicius de Barros
Sócio do escritório Teixeira Fortes Advogados Associados de São Paulo
Fonte: FISCOSOFT
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