O impacto do eSocial na fiscalização trabalhista

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A partir de setembro,as empresas que tiveram faturamento superior a R$ 78 milhões em 2014 deverão utilizar o eSocial para entrega de declarações relativas às obrigações trabalhistas, previdenciárias e fiscais relacionadas à contratação de mão de obra com ou sem vínculo de emprego.

Para as demais empresas, o sistema será obrigatório a partir de janeiro de 2017.

O eSocial foi instituído pelo Decreto nº 8.373/2014 e tem como objetivo o envio eletrônico de informações de trabalhadores e empresas ao governo, em substituição aos formulários atualmente existentes.

As informações que hoje são prestadas de forma descentralizada a órgãos distintos passarão a ser enviadas de maneira unificada e serão acessadas simultaneamente pela Caixa Econômica Federal, Receita Federal, Ministério do Trabalho e Previdência Social. Além disso, dados que até então ficam armazenados nas empresas passarão a ser reportados eletronicamente, como as informações relativas à medicina do trabalho.

O eSocial modificará a atuação dos órgãos fiscalizadores, o que impactará a gestão das empresas de todo o país. Atualmente, o número de auditores não é suficiente para fiscalizar in loco todas as companhias, tampouco todas as obrigações previstas na legislação. As fiscalizações ocorrem a partir de denúncias ou por meio da eleição de temas a serem investigados, tais como cumprimento de cotas.

O MPT poderá identificar procedimentos inadequados, como excesso de horas extras, e iniciar investigações

A partir do eSocial, os dados informados pelas empresas poderão ser facilmente cruzados para identificar inconformidades, tais como prazos desrespeitados, erros de cálculos e declarações inconsistentes, o que poderá ensejar a imposição de multas e recolhimento de tributos. A tendência, inclusive, é que os autos de infração sejam enviados automaticamente para o e-mail cadastrado no sistema.

Há, ainda, a expectativa de que sejam firmados convênios com Ministério Público do Trabalho e Justiça do Trabalho para que tenham acesso ao sistema, a exemplo do já ocorre com o Bacenjud – sistema que interliga a Justiça ao Banco Central e às instituições bancárias via internet.

Nesse sentido, o MPT poderá identificar procedimentos inadequados das empresas, tais como excesso de horas extras e não cumprimento de cotas legais, e dar início a investigações, propondo termos de ajustamento de conduta, por meio dos quais são fixados prazos para regularização e multas em caso de descumprimento, ou até mesmo ajuizar ações civis públicas, cujos valores envolvidos costumam ser milionários.

No caso da Justiça do Trabalho, o que se vislumbra é que o empregador, quando demandado em ações judiciais, até poderá apresentar apenas os documentos que convém à sua tese de defesa. Contudo, o juiz, em busca da verdade, independentemente da vontade ou requerimento das partes, poderá acessar o sistema para verificar, por exemplo, se há empregados que exercem a mesma função e recebem salários diferentes, a fim de analisar um pedido de equiparação salarial.

Além disso, é de se cogitar que no futuro os sindicatos poderão solicitar, ainda que judicialmente, acesso ao eSocial, a fim de verificar o cumprimento de obrigações legais ou previstas em normas coletivas. De posse dos documentos, terão maior facilidade para ajuizar ações em nome dos trabalhadores representados.

De qualquer ângulo que se analise o tema, a conclusão é uma só: as empresas que não observam todas as obrigações trabalhistas e atualmente passam despercebidas em razão da ineficiência dos órgãos de fiscalização precisam avaliar suas práticas e adequar seus procedimentos. Do contrário, a materialização do passivo trabalhista será inevitável!

É indispensável que antes mesmo da implementação do eSocial as empresas façam uma análise minuciosa de suas práticas, a fim de avaliar a consistência de seus procedimentos e providenciem a correção das inconformidades.

Em que pese seja a área mais afetada, a responsabilidade por esse trabalho não é apenas dos recursos humanos. Um diagnóstico completo e eficaz exige um esforço integrado de áreas de compliance, jurídico, financeiro, contratos e segurança e medicina do trabalho, além de áreas operacionais que mantenham contato diário com os trabalhadores.

O trabalho é extenso, mas necessário. Do contrário, os valores de multas administrativas, condenações judiciais e investigações administrativas poderão impactar fortemente o caixa e até mesmo a operação das empresas. Aliás, dada a natureza e a extensão das irregularidades, os danos poderão ser ainda maiores, atingindo também a imagem e a reputação das companhias perante o mercado.

O trabalho preventivo é o melhor caminho para adequar as boas práticas das empresas à rígida legislação trabalhista. Em que pese o desafio inicial, a expectativa no longo prazo é que a concorrência entre as empresas seja nivelada, evitando-se a prática de dumping social, ou seja, que o descumprimento reincidente de regras trabalhistas e previdenciárias permita o fornecimento de produtos com preço abaixo do praticado pelo mercado.

(*) Patricia Mota Alves é advogada de Souto Correa Advogados e especialista em direito trabalhista.

Valor Econômico – 04/03/16

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