Terceirização: mecanismo de fraude trabalhista e de redução de custos?

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Historicamente, as relações de trabalho sempre se deram de forma bilateral, ou seja, com dois atores principais: o empregador e o empregado. No entanto, considerando a constante evolução da sociedade — inclusive em sua organização — houve o fenômeno da terceirização, que foge da relação bilateral de trabalho.

Nesse modelo, tem-se uma relação triangular: uma empresa prestadora de serviços que admite como seu empregado um trabalhador, que desempenhará suas funções em prol de outra empresa, nessa configuração chamada de tomadora de serviços.

Considerando a adoção pelo Brasil do Civil Law — o que resulta de décadas de inclinações organizacionais do ordenamento jurídico —, essa alteração fática trouxe a necessidade de se regulamentar essa modalidade de contratação, tendo sido editada a Lei nº 6.019/1974, normatização até hoje observada quando se trata de terceirização.

Em relação ao Poder Judiciário, em 1986 o Tribunal Superior do Trabalho (TST) editou o enunciado 256, a qual informava que salvo os casos de trabalho temporário e de serviço de vigilância, previstos nas Leis nºs 6.019, de 03.01.1974, e 7.102, de 20.06.1983, é ilegal a contratação de trabalhadores por empresa interposta, formando-se o vínculo empregatício diretamente com o tomador dos serviços.

Nota-se, portanto, que a terceirização era tratada como exceção à regra, uma vez que o TST fixava apenas duas hipóteses de cabimento da triangulação da relação de trabalho: para contratos temporários e em serviços de vigilância. Caso não observada essa limitação, haveria o reconhecimento de vínculo empregatício direto com a empresa que absorveu a mão-de-obra do trabalhador, in casu, a tomadora de serviços.

Neste contexto social, a busca pela terceirização se dava quase que exclusivamente por uma questão de organização empresarial. Por exemplo, a pessoa que decide inaugurar uma livraria (comércio) pode não querer ter que se preocupar com a limpeza impecável de seu estabelecimento. Visando esse objetivo, pode procurar uma empresa de prestação de serviços especializada em limpeza. Assim, irá absorver uma força de trabalho qualificada para a finalidade que deu origem à necessidade de contratação do terceirizado.

Pois bem. Foi apenas em 1993, com a edição da Súmula 331 do TST, que o enunciado mencionado foi revisado e ampliado, de modo a sinalizar a legalidade de toda terceirização que envolvesse atividade-meio da tomadora de serviços, e não apenas em casos de trabalho temporário e vigilância. Veja-se o inteiro teor da súmula:

“CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE.

I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário.
II – A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional.
III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.
IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.
V – Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei nº 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.
VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.”

Nesse momento, já se pode verificar uma preocupação consideravelmente maior do Poder Judiciário em desincentivar a contratação terceirizada, ao deixar claro que — independentemente do ramo de atuação e do tipo de serviço que se pretende terceirizar — havendo indícios de fraude trabalhista, principalmente a contratação interposta de pessoal, haverá o reconhecimento de vínculo direto com a tomadora.

A Súmula nº 331 do C. TST disciplinou ainda que precariamente por diversos anos (ainda que precariamente) o instituto da terceirização, até que entraram em vigor a Lei nº 13.429/17 e a Lei nº 13.467/17, houve uma real e completa normatização dos ditames aplicáveis à terceirização, tendo sido incluída a possibilidade de se terceirizar inclusive a atividade-fim da empresa, alternativa esta analisada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e declarada constitucional através do julgado da ADPF 324 e da tese de repercussão geral no RE 958.252. Significa dizer que, nos dias atuais, uma empresa pode terceirizar qualquer atividade relacionada ao desenvolvimento do negócio.

Se pensarmos por um viés social-econômico, e não apenas por uma ótica legal, é evidente que dar início a um empreendimento exige conhecimento e expertise sobre diversos aspectos afetos à uma empresa. Criação da pessoa jurídica, cumprimento de obrigações legais e acessórias de regular ativação no mercado, contratação de funcionários e aquisição de matérias primas são apenas alguns dos grandes pontos que devem ser pensados por todo empreendedor.

Quando se opta por entrar na disputa por espaço em um negócio, raramente é possível que o foco permaneça exclusivamente voltado para o objetivo-fim da empresa. Retornando ao exemplo da livraria (comércio), muito provavelmente será necessária a contratação de colaborador para manter a loja limpa e bem apresentada. Funcionários que desenvolvem o cargo de auxiliar de serviços gerais não se relacionam à atividade fim da livraria, mas com certeza são de extrema essencialidade para o regular funcionamento da empresa.

Nada impede que o(s) sócio(s) da corporação realize a admissão de um(a) trabalhador(a) enquanto empregado celetista direto para o desempenho da função mencionada acima. No entanto, quando se trata em um empreendimento de médio a grande porte, esse cenário de contratação direta muitas vezes se torna demasiadamente burocrático, oneroso e atécnico. Tem-se, então, a figura das empresas que prestam serviços especializados, visando suprir as lacunas sentidas pelos empreendedores.

Uma empresa de prestação de serviços de limpeza poderá dispor de trabalhadores que manterão a loja sempre limpa, prestando um serviço técnico de qualidade. A livraria — nesse contexto entendida como tomadora de serviços — se beneficia em diversos âmbitos: absorverá um trabalho técnico e específico para sua necessidade, não precisará lidar com a burocracia que envolve a contratação e mantimento de funcionários e não ficará adstrita aos pagamentos (principais e acessórios) que a formalização de um contrato de trabalho traz consigo.

A nuance que causa preocupação é quando se opta pela terceirização exclusivamente pelo critério “gasto financeiro”, sem considerar que — para ser válida — diversos aspectos legais devem ser observados quando se terceiriza uma atividade. Estando imersos em um mercado capitalista, o lucro é sempre o foco dos empreendimentos, não sendo raras as vezes que empreendedores distorcem a legislação para majorar esse lucro. Na terceirização de serviços, principalmente após a edição da Lei nº 13.429/17 e a Lei nº 13.467/17, houve um boom na contratação de serviços terceirizados, com diminuição de empregados diretos das tomadoras de serviços.

Mercado é competição, ou seja, a empresa prestadora de serviços que consegue oferecer o menor preço mantendo a qualidade do labor de seus empregados, terá maiores chances de negociar maiores contratos. As tomadoras de serviços, por sua vez, notam que a cada setor terceirizado, menores são os gastos com pessoal e a necessidade de se dispender tempo com questões burocráticas.

Aos poucos, o instituto que fora desenvolvido para qualificar cada vez mais a mão-de-obra e perfectibilizar os serviços prestados perdeu esta sua principal característica mercantil para dar espaço ao consequente redutor de gastos. Outrossim, em paralelo aumenta a probabilidade de o serviço desempenhado ser cada vez mais de baixa qualidade.

Referida consequência prática não aparenta ser suficiente para mudar a postura adotada por empreendedores e grandes proprietários de empresas, ao passo que cresce exponencialmente o número de casos em que são verificados trabalhadores em situação irregular de terceirização.

O reconhecimento de vínculo empregatício direto com a tomadora de serviços é apenas um dos efeitos diretos da fraude verificada. É possível que haja interferência do Ministério Público do Trabalho inclusive com a proposição de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), caso seja constatada a ilicitude da terceirização.

Qual, então, a solução? Não há nada de errado com a realização de provisionamento de gastos e planejamentos empresariais com o objetivo de redução de gastos. Todavia, essa redução deve vir como realocação de verba e aumento de produtividade, com observância estrita da legislação.

Na terceirização, o tomador de serviços não detém poder diretivo sobre o empregado. Sendo assim, o empreendedor deve avaliar se está de acordo com essa previsão normativa. Havendo interesse em efetivamente manter o empregado com subordinação direta às suas ordens, o correto seria a admissão de forma bilateral do trabalhador, com registro próprio em carteira de trabalho, quando preenchidos os requisitos do artigo 3º da CLT, com acatamento de todas as normas que permeiam essa modalidade de contrato, sem que seja feita a tentativa de “burlar o sistema” com a intermediação da mão-de-obra.

A terceirização é uma forma de especialização da prestação de serviços, que comumente é desvirtuada e adotada como um mecanismo de fraudes trabalhistas e de redução de custos. Com uma avaliação precisa das expectativas e das necessidades do negócio, será possível o afastamento de qualquer infringência legal — de forma a não praticar qualquer tipo de fraude trabalhista — com atendimento e suprimento da carência sentida pela empresa, podendo até mesmo tornar o negócio mais atrativo no mercado, ante a expertise adotada.

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